O Milagre na Cela 7 me lembrou um pouco a parte final do filme Forrest Gump. Não vou dar detalhes. Vou me prender às imagens do primeiro, porque qualquer história reflete nossa imaginação particular, pessoal, intransferível. Não interferimos diretamente no que um artista faz, mas somos nós que caminhamos pela arte com nossos passos pessoais que dizem respeito a nós. Se o artista nos engrandece, o contrário é igualmente verdadeiro. As pessoas criam suas imagens da arte por meio de suas percepções. Em parte, O Milagre na Cela Sete me evocou A Vida é Bela também. Então, podemos falar de um padrão, de um arquétipo, e como toda tríade é uma estrutura, esses três filmes dialogam entre si. Há o mundo dos adultos em todos eles, há o mundo das crianças em todos eles. Inverter essa lógica impacta nossa percepção - aquela mesma percepção através da qual construímos nossas histórias. É bom lembrar que nossas sensações fazem parte do que construímos de qualquer saber. Quando sabemos genuinamente, podemos afirmar que sentimos primeiramente pelas sensações, que estimulam nossos sentidos, que constroem as futuras ricas associações abstratas. Uma mente abstrata está acima um grau da mente concreta. Em O Milagre da Cela Sete a função da abstração humana sugere um estudo à parte, mais especificamente no momento da criança escondida embaixo da cama. Então, O Milagre da Cela Sete está em qual categoria predominante? Sentir, perceber, abstrair? É da natureza filosófica humana (metafísica) esse outro tripé, e por esse motivo arquetípica. Se até pouco tempo atrás os estudos psicológicos e psiquiatras eram reflexo do que dizia o comportamento humano, hoje o comportamento humano tem alguma raiz neurológica certa e já mapeada. Por esse motivo, o que não pode faltar em muitas das reflexões de comportamento humano nos dias de hoje são as descobertas da engenheria do cérebro. Como o cérebro funciona? Esse mistério tem sido revelado com tanta força a ponto de especular-se que os mistérios são respostas simples, ainda que ricamente sedutoras saber que no ser humano a materia milagrosamente "pensa" sobre si mesma! Já é mais do que comprovado que toda resposta sensitiva está no cérebro - não há um vácuo onde o sentido habita. Nesse sentido, a capacidade e a intensidade de sentir não teriam outro berço, a não ser o neuronal, o cortical, e outro dilema surge no filme O Milagre da Cela Sete, que é natureza do inato (nature) e a natureza do adquirido (nurture). Parece viagem, certo? Mas a lógica está na construção do texto. Se iniciasse afirmando que tudo se resume às nossas percepções das sensações pelo sistema nervoso periférico e central, não seria uma reflexão sobre o filme. É do filme que se fala, e filme é arte e a arte busca expandir, transcender, revelar o oculto, o subentendido, como elebora António Damásio, retórica e precisamente, a questão "como os seres humanos vieram a ser, ao mesmo tempo, sofredores, mendigos, celebradores da alegria, filantropos, artistas e cientistas, santos e criminosos, senhores benevolentes do planeta e monstros decididos a destruí-lo? A resposta a essa questão certamente demanda contribuições de historiadores e sociólogos, bem como de artistas, cuja sensibilidade costuma intuir os padrões ocultos do drama humano; além disso, requer contribuições de vários ramos da biologia." Eu destaco o trecho "artista, cuja sensibilidade costuma intuir os padrões do drama humano". Não apenas O Milagre da Cela Sete, nem o filme À Espera de um Milagre, nem a prisão imaginativa de Alice no País das Maravilhas, mas toda arte tenta abrir caminhos rumo à sua realização na mente das pessoas. Já as lágrimas são pessoais, reflexo de nossas dúbias fraquezas e fortalezas. Eu não chorei no filme, e meus filhos sabem que choro muito facilmente. Não é raro minha filha falar "olha lá, papai vai chorar" quando testemunho algo que ela sabe tocante para mim. Talvez, para terminar, nossa realidade tem nos anestesiado da arte. Essa nova realidade de confinamento. O luto coletivo dessa guerra silenciosa por que passamos é estranho. Não ouvimos movimentação de tropas, nem bombas, nem aviões e tiros, que seriam objetos concretos para nossa angústia e reais lágrimas. Todos os psicólogos sabem que sensação e comportamento sem objeto é neurose, esquizofrenia, síndrome do pânico etc., e as consequências naturais para o indivíduo são enormes. As lágrimas na arte é um objeto catártico. Por fim, essencialmente pela catarse, vale a pena ver O Milagre da Cela Sete. Se chorar, melhor ainda, e sei que você vai chorar pela narrativa simples, bonita, direta, emocionante. Chorar hoje alivia e nos justifica. Mas voltaremos a sorrir, porque "fico com a pureza das respostas das crianças; é a vida, e é bonita, é bonita."
Flavio Notaroberto