quarta-feira, 24 de junho de 2015

Sorrir Para a Vida

Para sorrir para a vida. Gosto e faço sorrir com facilidade. Não por meio de piadas. Meu riso vem mais caricaturados dos vícios e defeitos humanos. Eu mesmo me dou por satisfeito de ser cheio deles: vícios e defeitos.

Quem não ri comigo e de mim, não ri por nada. É sério e chato e sofrido. Eu sou sério, chato e sofrido, mas faço rir. Como disse, vícios e defeitos nos encantam na pilhéria. Para sorrir para a vida.

Em 2015, no entanto, um aluno me disse "aquele sentimento voltou à minha vida". Antes de começar a minha aula. Era a depressão. Voltou à vida dele.

Depois de dois anos livre da doença, ele me confessou novamente o retorno. Ele ja tinha sido meu aluno há três anos. Interrompeu para se tratar. Recuperou-se e voltou à minha aula. Ele me dizia em todas as aulas: "I'm alive!". E eu retrucava: "we are alive!". Eu já tive depressão: dos 18 aos 22 anos. Prisão. Casei-me aos 24. Limite. Me separei aos 40. Ou seja, somente agora retomo meu conceito de liberdade no sentido burguês do Sec. XIX.

Ele me confessou logo na entrada da aula.

- Aquele sentimento voltou: depressão.

Sou um tipo que se preocupa com quem quer que seja. Onde há um sofrimento em que possa levar a meios para dissipá-lo, para que o sofrimento seja esquecido, lá vou eu. Os exemplos são inúmeros.

A melhor arma para a tristeza, a solidão, a depressão, a amargura é outro desconforto equivalente e tão forte quanto aqueles. Já reparou que brigamos com quem mais nos ama quando sentimos angústia e tristeza? Porque este desconforto nos alivia. Falo com a experiêcia do filho que fui e do pai que sou.

No primeiro momento, arristei a este meu amigo:

"Isto é excesso de felicidade, de paz, de contentamento. Estar com a cabeça fazia voltam as perguntas sobre nossas vidas e a razão de viver."

Ele ouviu e concordou refletindo a respeito.

Projetos simples na vida são fundamentais. Mesmo! Preocupações simples são essenciais. Paz em si não existe. Porque equilíbrio vem da dosagem certa entre e paz e guerra. A ausência de um leva à confusão e falta de sentido angustiantes. Exemplo? Um pacifista não vive em paz!

Passei basicamente uma aula inteira nesta noite falando sobre arte e sobre a vida. Somente ele reparava que meu discurso era direcionado a ele.

"A vida se torna sem sentido quando vivemos somente em paz, sem conflito e lutas. Perguntas como 'por que vivemos' batem em nossa mente. Neste momento que entra viver a arte.", concluí. Com a cabeça, meu aluno gesticulava em aprovação.

No meio da aula, num contexto específico, falei "we are alive!" No que ele concordou. Quantas vezes escondemos algo das pessoas ou de alguém somente para evitar a dor ou direcionar nossas palavras? Hoje e em tantas aulas é assim.

Não digo, afinal, detalhes pessoais, senão ensinar o que tenho que ensinar. Mas sei bem que devo ajudar um pouco a resgatar a vida a quem vive morrendo somente por sentir confusão emocional. Tudo nesta vida tem de ser aos poucos. Aos poucos as coisas se encaixam. Eu não tenho pressa. No final, ele me cumprimentou e nem tocamos no assunto.

Agora algo bem específico, direcionado. Eu não tenho pressa. Posso esperar. De verdade. Mas é bom um retorno. Não quero que sofra. Não adianta reprimir um sentimento. Gasta-se energia sem necessidade.

Tenho "Miguelito" para publicar em 2016; mestrado para iniciar em 2016. E amar nos cativa a dar brilho em nossos projetos. Se o amor não nos atrapalha, o carvão bruto vira diamante lapidado sob pouca pressão. Não se confunda não. Posso estar enganado. Devo, porém, estar com a razão. Deixar o amor expandir aumenta a chance de buscar crescer, desde que não seja carência. Nossas vidas se ampliarão. Caso sua vida seja seus projetos e não apenas curtir um dia após o outro, deixa rolar o sentimento do amor, ainda que sem retorno.

terça-feira, 23 de junho de 2015

As Neuras

Reli agora a revisão do Capítulo 6 e 7 do meu novo livro, "Miguelito: Memórias", em fase de revisão. O processo é simples, mas demorado. Eu reviso todo o livro, deixando mais envolvente. Depois reviso para colocar mais coerência e ajustar a clareza. Por fim, faço uma revisão gramatical e de grafia e de detalhes. O ideal depois seria contratar alguém para revisar oficialmente. Resumindo: não sei se eu exploro as pessoas ou se as pessoas me exploram! Mas é criação.

Sei que estão escassas pessoas que compreendam que mais cultura é fundamental para sermos mais acessíveis e sem neuras. Eu me acho bem acessível. O que estraga tudo são as neuras. Tanto aquelas que me trazem quanto aquelas que as pessoas criam. O desdobramento é a chave para a compreensão. Um raciocínio simples "Se isto, então aquilo". Mas não tão simples. Por exemplo "se me chama para sair, é porque quer algo sério comigo", "se aceita falar comigo é porque gosta de mim", "se diz que me ama, então vou aproveitar e fortalecer-me no distanciamente",  "se...." etc. Estas neuras não existem na simplicidade da escrita. Ao final, o que vale mesmo é o sucesso e a fama. Aí as coisas ficam mais interessantes e as neuras acabam...

Razões

"Você escreve como uma fuga para a própria solidão? Ou uma busca para suas próprias questões internas? Seria um motivo para você escrever por prazer e não por ganância, uma forma de alívio?"

por Bruna

A arte é catártica. Já falei sobre. A emoção que sai do filme, do livro, da fotografia, do teatro e eventualmente nos faz refletir ou mesmo chorar, tecnicamente se chama catarse. Quando vemos e compartilhamos uma propaganda por ser emocionante, o diretor está indo neste ponto: o potencial catártico.

Minha amiga Bruna colocou algumas questões e responderei bem claramente. Escrevo porque tenho talento e a outro que revelo agora, eu escrevo como um projeto de vida pessoal. Aliás, motivo por que eu não tenho tanta ansiedade não. Escrever é meu projeto de vida. Sabe aquela razão de você fazer de sua existência algo mais do que consumir, e rir, e ir, e voltar, e continuar consumindo abestadamente?

Claro. Escrever para o escritor e fazer arte para o artista são também catárticos. Mas não para aliviar seus sentimentos, suas dores, angústias, solidão, fraquezas, desilusões, apatias e mais e mais desconfortos da alma. Creio que faz parte de nossa maturidade passar por tudo isto até nos adaptarmos ao mundo real e dos adultos. Já escrevi para me aliviar quando no meus 18, 19, 20 anos... Aos 41, eu vejo como um terreno que precisa ser cuidado para dar hortaliças. Vou arando. Vou cultivando. Vou regando. Plantando sob o sol e a chuva. Um jeito de viver, um meio para viver porque eu não creio só em ir às lojas e comprar como sinal do fruto do meu trabalho.

Vou admitir também que sim tenho talento, né? Já que ele existe, o tempo tende a melhorar. Desde que não o abadone.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Escrever por quê? Por que escrever?

Um grande amigo meu, Marcelo Raymundo, postou a pergunta por que escrever. Ele escreve suas crônicas em seu blog e deve ter suas razões da pergunta. Eu amaria pode ganhar dinheiro para escrever. O mundo me leria como quem trabalha e eu teria uma resposta tão convincente que seria até admirado, respeitado e justificado: eu ganho para isto. Meu trabalho.

Mas claro que eu não ganho nada agora para escrever e mantenho a pergunta no ar. Qual a razão de escrever? Como eu escrevo como quem faz algo sem um objetivo claro, a resposta mais convincente para as pessoas seria: minha fuga. Eu me escondo através das palavras e justifico minhas falhas, fraquezas, medos, temores, ansiedades, como quem bebe a sua própria solidão, adormece embriagado e acorda ainda respirando no outro dia.

No fundo, bem lá no fundo, no fundo mesmo de minha inconsciência e alma, eu escrevo porque tenho talento para escrever. Minha amiga querida, Renata Oliveira, lá na minha juventude, achou um desperdício eu fazer faculdade de Letras. "Vai estudar jornalismo! Você tem talento! Por que desperdiçar seu talento sendo professor?" Eu poderia ser professor como sou; mas eu poderia ser jornalista; bem como ter sido escritor aos 24 anos de idade e não aos 40 (minha ex-esposa nunca compreenderá isto!).

Pela primeira vez, penso friamente por que escrevo, e pela primeira vez admito com todos os fumos de arrogância que o faço porque tenho talento. Minha horrível modéstia, tão prejudicial a mim, é a minha arma a favor da humildade que quero ter e ser. Mas como sou também extremamente intuitivo (e bastante fiel a Deus), eu deixo seguir o tempo agarrado a ele, ao tempo e a Deus. O tempo me consome e eu agradeço a ele, ao tempo.

São poucos que conseguem transferir às palavras a agitação interna da alma. E mais incrível ainda: escrever é um ato tão solitário e exige tanta concentração que você pode estar em um ambiente agitado e cheio de barulho (como o que eu estou agora) e mesmo assim não desviar um segundo das palavras que se seguem e se justificam. Marcelão, eu escrevo por isto...

Mundo prático

O mundo prático tira das pessoas a poesia, e chamo de poesia a sensibilidade para descobrir o que existe de fraco em nós. A arte pode ser sim uma forma de vermos nossa fraqueza em nós mesmos e nos outros.

Ser forte é mais a virtude do desesperado que possui responsabilidade. Seja a mãe ou o pai em seus cuidados; seja os avós sobre os netos; seja filhos sobre seus irmãos mais novos.

domingo, 21 de junho de 2015

Mágoa sem Rancor

Hoje sonhei imagens entre reflexivas e expansivas. Com uma "canção" do Cazuza. Minha irmã colocou a discografia famosa dele e eu ouvi inteira. Por alguma razão eu cantei numa canção dele "mágoas sem rancor" no sonho. Pesquisei agora na internet. Descobri que ele não tem um trecho assim. Tem o "tentar ficar amigos sem rancor". Eu inventei o trecho e meti na boca do Cazuza no sonho. "Mágoas sem rancor".

Nem a mágoa e muito menos o rancor são sentimentos importantes para mim. Por uma razão tão forte e simples, aliás. Minha cunhada, Ângela, que faleceu jovem, deixando duas filhas, saiu deste mundo praticamente perdoando e pedindo desculpas por qualquer falha. Foi forte para mim. O perdão para o mundo. No fundo ela estava perdoando e deixando sem dúvida o amor ser seu último desejo. Este um dos motivos.

Mágoas ou rancores são estranhos para o perdão. O perdão tem efeito imediato de anular os dois. Do contrário, não foi perdão. Foi mentira que gera decepção, mágoa e rancor, nesta ordem. Mas, claro, se está magoado, não permita virar rancor. Mágoa ainda é sentimento; rancor passa a ser doença. Não vamos ficar doentes por isto não.

sábado, 20 de junho de 2015

Autógrafos

Ontem foi tarde de autógrafos. Para mim e para o Rodrigo Theodoro Salvador da Silva. Não vendemos nem livros, nem CDs. Nem fomos midiatizados pela mídia semelhantes a mercadorias pouco acessíveis aos consumidores. Os autógrafos não poderiam ser mais inusitados! Eu, particularmente, me senti até gente de verdade, como um famoso que gasta seu tempo diante de câmeras para ser visto, olhado, idolatrado.

Foi na E. E. João Prado Margarido, na Sala de Leitura João Prado Margarido, no Itaim Paulista, lá na Z/L. Uma breve palestrinha em formato de aula expontânea para jovens de onze anos. O Theo veio com suas canções e eu com meus textos. Eu falei e li; o Theo falou e cantou. Tematizamos a arte, as memórias, a construção de conhecimento, a expansão de nosso interior através do conhecimento etc. Sem pieguices. Sem subestimar os alunos. Sem diminuir em nada o tamanho real que as coisas são. Falamos. Lemos. Cantamos.

A força da vida apareceu no final. Os jovens pedindo autógrafo para mim e para o Theo. Afinal, havia um escritor lá, havia um cantor lá. Não apenas nossas palavras ecoaram no interior deles. Nossos corpos físicos, presenciais estavam lá. Fomos. E este foi meu insight para os autógrafos. Aquela assinatura no papel representava meu corpo como extensão do que iria ficar na memória deles. Era uma marca como se assinando na alma de cada um. Foi intenso e forte. Expontâneo e natural. Foi rico e comovente. Não quero perder esta pureza. Foi belo, muito belo, belíssimo. Mais para mim do que para eles. Afinal, eu até parecia gente, como me lembra meu grande amigo Andre Maia.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Bob Marley e Eu

Hoje um amigo disse algo que me fez refletir. Ele leu umas entrevistas do Bob Marley. Uma das perguntas foi por que as letras, a grande maioria de suas letras, eram em primeira pessoa, algo tipo "eu..." etc. A lógica da resposta me deixou feliz. Bob Marley explicou que prefere que as pessoas cantem como se fossem elas e não os outros. Bonito isto.

Falar de si, escrever para si, expor-se artisticamente, além de um ato de coragem e sinceridade, é um ato altruísta porque permite quem canta, quem lê, quem ouve, quem declama, fazer para si mesmo.

Vejo que tantos "eus" meus em meus textos são menos vaidade e mais a chance do outro poder assimilar e se apropriar do sentimento, ou do que quer que seja que há na arte.

Num mundo consumista em que as propogandas e as publicidades fazem as pessoas repetirem um "Amo Muito Tudo Isto" e jargões afins, ler um texto, ouvir uma canção, demorar-se em uma pintura em que o eu ganha força é olhar-se em um espelho e ver sua própria alma sem necessidade alguma de outra coisa porque o "eu" em si já se basta.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Se eu pedir para você não ir, você fica?

- Se eu pedir para você não ir, você fica?

A pergunta foi tão esquisita quanto a confusão sobre o que responder. Ficar ela queria. Ir era, no entanto, as circunstâncias. Há momentos que devemos ir.

Ao lado, um motoqueiro buzinava na rua noturna, por volta das dez horas. Sumiu na primeira curva à esquerda.

- Me deu vontade de comer pizza.

- Fica?

- Eu não sei. Achei confusa a pergunta.

- Qual eu fiz mesmo? Não me lembro.

- Se eu não for embora, se eu fico...

- Isto. Isto mesmo. Se eu pedir para você não ir embora, você fica?

- Claro que eu fico, se eu não for embora.

- Por favor, leia nas entrelinhas. Não consigo ser direto. Você fica?

- Tenho que entrar.

- Então você vai.

- Eu tenho que entrar. Está tarde.

As mãos dela estavam frias. O braço também. Inclusive o pescoço. O olhar de ambos era o cansaço do fim de trabalho. Conversaram no caminho de volta sobre o dia de hoje, o momento de cada um e o dia de amanhã. Com interesse recíproco.

- Eu entendo você, disse ele. Eu acho que me entende também, mas sempre foge de mim porque lá onde prefere ficar. A distância atenua a lembrança porque a saudade se distrai facilmente no mundo de quem somente quer ir e não permanecer. Eu entendo.

- Eu disse que se eu não for, eu fico.

- Comigo?

- Preciso entrar.

As mãos dela ainda frias. As dele sempre quentes. Era muito gostoso o contraste para ambos. Havia uma razão para o toque. Sempre é importante uma razão qualquer para a troca. A troca implica um ganho recíproco. Na troca existe o amor da pequena entrega. Um equíbrio que vai além da física ou química. Passa pela existência e acalanta ambos corações.

- Por que sua mão é sempre quente?

- Para aquecer a sua sempre fria?

- Está tarde.

- Fica?

- Com você?

- Comigo.

- Eu quero, mas não vou falar que eu quero.

- Você acabou falar que quer.

- Pensei alto. Falei para eu mesma ouvir. Se você estivesse me deixado ir, não teria ouvido meus pensamentos.

Ele puxou as frias mãos dela e as tocou em seus lábios, carinhosamente. Duas. Três vezes. Com os olhos fechados.

- Preciso ir.

- Eu sei.

- Boa noite.

- Boa noite.

Ao cruzar a rua, pela janela, disse-lhe com o olhar apaixonado:

- Você está indo. Eu sei. Pode ir. Eu gosto da liberdade. Mas ainda sim, ao menos para mim, você está aqui, comigo. O amor tem destas coisas. A pessoa parte. Mesmo assim ela fica. Não exatamente como queremos. Fica. Para onde quer que você for, ficará em mim. Transformo tudo isto em saudade e vou vivendo, vou esperando. Talvez um dia você me...

- Boa noite, ela o interrompeu de longe.

- Boa noite, ele sorriu.

Ao virar a esquina, indo para sua casa, ela pensou na fome que a falta de comida dá e sussurrou para que ele pudesse ouvi-la longe dela:

- Eu te amo, meu amor. Claro que eu fico. Você está mais em mim do que eu em você. Eu sempre serei sua até quando meu coração não pertencer a mais ninguém.

Ele não a ouviu. Partiu para a sua casa. Com o coração feliz. Amar deve ser comemorado sempre. É um sofrimento que no fundo renova. Talvez um dos motivos inconscientes dela de não ficar naquele momento. O amor a faz sentir-se outra e renovada todos os dias. Foi assim que ambos chegaram em casa. O amor renova todos os dias os dois corações. Com ou sem a troca. Se soubermos tirar proveito do amor até a solidão de viver sem o outro se justifica na renovação diária do sofrimento. Ficar, afinal, é uma decisão bilateral. Já amar não...

terça-feira, 16 de junho de 2015

Sofrer Feliz o Distanciamento

Sofrer Feliz o Distanciamento

Você pode sim. Você pode amar verdadeiramente alguém, querê-la demais, ter muitos argumentos para estar ao seu lado, sobretudo porque ela tem fortes sentimentos de amor por você também, e mesmo assim sofrer o distanciamento necessário.

A recompensa existe. Imagine que amar à distância, ainda que ao lado, tem laços íntimos tão bons para sua vida. Um deles, por exemplo, é o tempo. O tempo não existe ao lado de quem você ama sem estar em um relacionamento sério com ela. Ao lado de quem se ama, o tempo pulsa como um coração acelerado para dar vida ao corpo agitado. O tempo de quem ama está na alma, porém. A alma não pertence a um ir e vir. A alma é. Como o amor também simplesmente é. E tanto para a alma quanto para o amor, o ser não existe no tempo. Somos. Ao lado de quem amamos, nós somos e o tempo não existe.

Outra vantagem de amar sem seu amor para você é o renovo. Todos os dias um elemento novo surge nas pequenas coisas da vida. Desde uma rua por onde se passa e que evoca a imagem interna do amor, a um paladar ou cheiro ou a uma imagem de qualquer sensação, desde o frio ao calor, o dia e a noite. Inclusive o silêncio que cai muito bem na solidão de nosso quarto, com o coração querendo acelerar, mas a paz do amor diminui nossa respiração e a imagem do amor nos fecha os olhos internos apenas para ela.

Creio que há vantagens amar sem ter a pessoa que se ama. Claro que a desvantagem está em nosso corpo, na solidão e vazio de nosso corpo. Lembrar de alguém na verdade é ser lembrado por algo. A imaginação dá conta do resto. Evidentemente que beijar a pessoa que você ama, ou abraçá-la infinitamente, ou dormir ao lado dela sem nada para dizer, só sentir e sem nada que nos faz lembrarmos dela é a realização do nosso amor. Ela ao nosso calor apaga a saudade e intensifica a presença e o futuro ganha vida presente e o tempo vira casamento, filhos, viagens, planos, união, talvez, para sempre do sempre possível. Nem tudo é para sempre.

Talvez uma pessoa realmente me conheça e entenda que é possivel amar distante e profundamente. É possível amar sem ter. É possível ter consciência de ser. Da mesma forma que seu forte é a entrega pelas dores dos outros, o meu forte é a minha renúncia pelo amor que preciso guardar e falar que eu amo...

Cazuza foi mais simples no "eu preciso dizer que te amo..." Acho bela a união. Acho, porém, mais digno o respeito ao direito que todos temos em construir nosso próprio destino. Nossa consciência deve ser mais forte do que nossa vaidade. Amar sempre. Nosso tempo deve ser o da alma. Nossa alma. Se as almas se tocarem, elas se conquistão. Mas ainda estamos presos ao tempo da vida porque sentimos o coração acelerar. Ao menos eu sinto.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

O Emprego das Prostitutas

Minhã irmã cada vez mais me surpreende com algumas sacadas e palavras. No domingo passado, coversamos por acaso com uma pessoa que me disse ter 49 anos.

- 49? Pensei que tinha 60, minha irmã se surpreendeu quando disse a idade dele.

Em comum eu e o "senhor" é que somos separados. Eu com meu filho no clube, ele com o dele e uma bola para todos. As crianças continuaram chutando a bola e saímos os "velhos" do sol quente.

- Me separei em dezembro do ano passado, disse ele.

- E tudo bem hoje?

- Claro. Eu já não queria mais nada. Minha mulher já estava feia e gorda. Eu só comia ela tomando viagra e com muito sacrifício.

Confesso que me causou forte abalo este comentário. Quando impera a falta de amor, eu mais ouço para ver do que a pessoa é capaz. E o senhor de 49 anos continuou:

- E não quero mais saber de casar não. Hoje só saio com menininha jovem. Mais de 25 anos já é velha. 18, 19 é o ideal. Eu trago para a minha casa. Meto nela. Pergunto para ela quem é o seu gostoso. Ela "você!" Meto de novo, mas não deixo dormir ao meu lado não. Depois falo; "tem mais de dez quartos aqui na minha casa; pode escolher um para você dormir." Não vou acordar ao lado não! E sempre dou lá uma nota de cem para ela pegar o taxi de manhã. Elas vêem as fotos das minhas viagens na parede e ficam todas achando que encontrou alguém que vai bancar. Elas tomam no... Eu só vou comer e tchau! No outro dia eu nem respondo zap zap.

Imagine que das vulgaridades que ele falou, eu não escrevi praticamente nada. Porém, eu admito que eu ria. Ria internamente, perdido e confuso, por ser até possível e verdadeira esta situação. Muitos maldosa ou realisticamente vão concordar com aquele "senhor" que é por aí mesmo e me achar "bonzinho" (que no fundo vem sendo a palavra para me chamar de "idiota" ultimamente) por sentir o absurdo do que ele falava e como ele se comportava, não me vendo assim. Onde entra minha irmã? Eu narrei para ela este papo que tivemos. Ela me disse sem surpresa que "é realmente assim mesmo" e arrebatou:

- A vulgaridade a que se submetem muitas mulheres hoje em dia está tirando o emprego das putas! Está deixando as putas desempregadas.

É ou não é para refletir e rir de tristeza ao mesmo tempo? Acho que, por isto, sempre serei o "bonzinho", um verdadeiro idiota. Mais ainda. Há mulheres que falam que é normal mesmo alguns homens se comportar assim e se justificam "as mulheres também tem prazer; é uma troca; todos acabam se usando."

O Emprego das Prostitutas

Minhã irmã cada vez mais me surpreende com algumas sacadas e palavras. No domingo passado, coversamos por acaso com uma pessoa que me disse ter 49 anos.

- 49? Pensei que tinha 60, minha irmã se surpreendeu quando disse a idade dele.

Em comum eu e o "senhor" é que somos separados. Eu com meu filho no clube, ele com o dele e uma bola para todos. As crianças continuaram chutando a bola e saímos os "velhos" do sol quente.

- Me separei em dezembro do ano passado, disse ele.

- E tudo bem hoje?

- Claro. Eu já não queria mais nada. Minha mulher já estava feia e gorda. Eu só comia ela tomando viagra e com muito sacrifício.

Confesso que me causou forte abalo este comentário. Quando impera a falta de amor, eu mais ouço para ver do que a pessoa é capaz. E o senhor de 49 anos continuou:

- E não quero mais saber de casar não. Hoje só saio com menininha jovem. Mais de 25 anos já é velha. 18, 19 é o ideal. Eu trago para a minha casa. Meto nela. Pergunto para ela quem é o seu gostoso. Ela "você!" Meto de novo, mas não deixo dormir ao meu lado não. Depois falo; "tem mais de dez quartos aqui na minha casa; pode escolher um para você dormir." Não vou acordar ao lado não! E sempre dou lá uma nota de cem para ela pegar o taxi de manhã. Elas vêem as fotos das minhas viagens na parede e ficam todas achando que encontrou alguém que vai bancar. Elas tomam no... Eu só vou comer e tchau! No outro dia eu nem respondo zap zap.

Imagine que das vulgaridades que ele falou, eu não escrevi praticamente nada. Porém, eu admito que eu ria. Ria internamente, perdido e confuso, por ser até possível e verdadeira esta situação. Muitos maldosa ou realisticamente vão concordar com aquele "senhor" que é por aí mesmo e me achar "bonzinho" (que no fundo vem sendo a palavra para me chamar de "idiota" ultimamente) por sentir o absurdo do que ele falava e como ele se comportava, não me vendo assim. Onde entra minha irmã? Eu narrei para ela este papo que tivemos. Ela me disse sem surpresa que "é realmente assim mesmo" e arrebatou:

- A vulgaridade a que se submetem muitas mulheres hoje em dia está tirando o emprego das putas! Está deixando as putas desempregadas.

É ou não é para refletir e rir de tristeza ao mesmo tempo? Acho que, por isto, sempre serei o "bonzinho", um verdadeiro idiota. Mais ainda. Há mulheres que falam que é normal mesmo alguns homens se comportar assim e se justificam "as mulheres também tem prazer; é uma troca; todos acabam se usando."

domingo, 14 de junho de 2015

Saudade sem Tristeza

Meu filho Daniel, o terceiro, comigo no carro. Minha irmã conversava com a filha do lado de fora. Esperando-a entrar. Falei para ele que, quando sentir saudades do pai, era para me ligar do telefone dos irmãos.

- Mas eles não tem crédito, pai!

Em silêncio, refleti. Em seguida perguntei:

- Mas você não fica triste, né, filho?

- Não.

Aí falei de modo bem didático para ele ouvir:

- Saudade sem tristeza, filho, é bom. É muito bom sentir saudades de alguém e não sentir tristeza.

Minha irmã entrou no carro. Narrei para ela o breve diálogo com o Daniel. Ela, com muita atenção, concordou e sussurrou em voz alta "saudade sem tristeza",  bastante reflexiva, mergulhada no seu inconsciente. "Saudade sem tristeza."

sábado, 13 de junho de 2015

Adeus

O adeus pode ser radical, sem despedida.

O adeus pode ser em pequenas gotas, em várias despedidas.

Adeus, no entanto, não tem volta.

Um sentimento difícil de aceitar.

O bom de um adeus radical vem do sofrimento também radical.

Os mundos que se tocavam não mais existem, e se perde a certeza do seu próprio mundo.

O bom do adeus aos poucos, lentamente, é que ainda reconstruímos as perdas e trabalhamos com ela em nossa imaginação.

Não vou deixar dramático dando detalhes.

Poderia citar os adeus mais comuns.

Meus detalhes, porém, ficam nas personagens das histórias pessoais que temos e que dizem respeito a nós mesmos.

Não sou contrário aos adeus.

Sou a favor de sentir algo que não se transfere porque merecedor de crédito: os nossos sentimentos.

Felicito ao que ou a quem se foi.

Acolho as novas entregas e chegadas.

Entre partidas e vindas, vivemos descobrindo o quanto somos mais maduros, ainda que na ausência.

Não discutirei felicidade porque tenho enorme dificuldade em falar sobre o que sinto.

Positivamente.

Felicidade, ainda que a dores venham de fora, e eu as sinta como minhas.

Mas não são não.

Nossas maiores dores não são nossas as dores não.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Ser Ouvido

Nossas artes. Nossos espaços. Uns se preocupam com Boticário, outros com a Cruz de Jesus e suas blasmênias, outros tantos berram para diminuir a Maioridade Penal. Eu? Vou levando minha voz real e concreta (não mais um na multidão anônima nos "protestos") aos poucos jovens que me ouvem. Todos somos mudados desde que tocados do jeito sincero e honesto. Não cabe em mim espaço para a mentira, porque paz só a tem quem não precisa se explicar tanto. Possivelmente estes jovens sentem minha objetividade. Minha vontade de compartilhar a paz, ainda que o mundo me queira em guerra. As pessoas berram para ter razão. Os jovens querem ouvir algo próximo à verdade. Olha que eu já berrei demais com meus três filhos, e me arrependo muito de tê-lo feito...

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Promocao

Promoção DIA DOS NAMORADOS

Meus livros: CONTOS SUAVES e NÃO É CONTO NEM FÁBULA, os dois por R$40,00.

Inbox ou whats 99620-1529.

Amar o que o outro ama

Simplesmente amo estas coisas. Sempre penso que precisamos amar o que as pessoas amam. Senão qualquer relacionamento se torna vaidade, apego, carência em querer tê-la ao nosso lado todos os momentos. Vai sufocar e machucar. Quero amar o que a pessoa ama para estar ao lado dela; quero que ela ame (e não ature ou tolere ou minta que goste) as coisas que eu amo. Do contrário, o início já é o fim. Amando o que cada um ama com sinceridade, quando os anos vierem ao lado de uma pessoa, o amor compartilhado apagará os anos, transformando-os em bons momentos, em boas memórias. Isto é parte daquilo que se chama felicidade. Ter e viver um constante presente de boas memórias. Sem ilusão: os altos e baixos existem, né?

terça-feira, 9 de junho de 2015

Sob Paixão

Depois do encanto pouca coisa resta. O encanto é a magia, é a ilusão, é a inocência. Após a perda da inocência, nosso olhar no mundo fica bem mais atento, mais disciplinado, mais consciente, mais malicioso. A magia desaparece simultaneamente. Descoberto o que o mundo esconde, nossos olhos internos se abrem. Aprendemos e somos outra pessoa. As sensações, ou nossos sentidos não são mais controlados pelo acaso. Queremos sentir o gosto da bebida, mas será esta a finalidade? Sentir o calor do sol na praia, mas será suficiente? Fazer do perfume um aliado, mas sem intenção alguma? Saborear todo um ambiente de jantar: prato refinado, som aconchegante, uma ou duas velas, vozes diversas quase silenciosamente sussurrando a bem pouca altura, sem relógio, sem smartfone, sem tempo real, e sem malícia alguma. Sem malícia alguma em um jantar assim?

Tirando a malícia que nos domina quando abrimos nossos olhos internos, como o encantamento do mundo nos atrai e até nos trai na inocência! Não há quem resista à inocência, ou ao ar de inocência. Mesmo porque o ar de inocência pode ser um ar de confiança, do tipo "confio em você", do tipo "deixo você me conduzir", do tipo "não sou inocente; estou, na verdade, simplesmente sob paixão; estar sob paixão me resgatou o encanto do mundo; estou sob encanto e meu olhar ao seu lado passa a ser a todo momento, um momento de descoberta, uma novidade do velho em minha alma."

É isto. Sob paixão.

Miguelito

(pequeno trecho de "Miguelito: Memórias")

─ Que perfume este tambaqui, Adelaide, disse sobre o peixe no forno, ainda com a batina, mas já se desbatinando.

─ E a missa, Miguel?

─ Tristeza, mas é vida que se segue ao mesmo tempo.

─ E o da finada?

─ O Firmino está com o garoto.

─ Vai adotar mesmo?

─ Não é o primeiro, Adelaide.

─ Mas os outros são seus filhos!

─ Nem todos. Nem todos, lembrou-lhe o padre Miguel que mudou de assunto, abrindo o armário dos vinhos.

─ Onde está aquele vinho branco chileno que eu ganhei semana passada do Dr. Cintra? Eu tinha deixado aqui com os outros.

─ Já está na geladeira, Miguel.

Um peixe sempre acompanha um vinho branco, e um vinho branco sempre acompanha o bom da vida. Refletiu com o aroma do assado e abriu a garrafa. Amava o breve estampido da rolha. Uma de suas coleções: rolhas de garrafas. Cheirou a rolha. Bom. Muito bom. Padre Miguel era prático e a cada segundo refletia se realmente valeria todo sacrifício viver. No fundo sabia que não. Viver é sofrer, e lembrou-se do filósofo alemão Schopenhauer. Resgatou suas memórias de criança já que a língua alemã é sua língua nativa. Mais fluente que português  e língua dos filósofos. Como todo filósofo é discípulo da morte, antes de morrer que tivesse seus momentos de prazer também. Lembrou-se do filósofo grego Epicuro.

─ Hoje à tarde, refletiu, serei mais um hedonista, porém.

Além do peixe, mandou goela abaixo duas garrafas inteiras de vinho branco e três doses de conhaque. Comeu do peixe e depois bebeu até anoitecer, sentado na sua poltrona de vime recoberta por couro tratado e acolchoado macio.

Viver é sofrer, disse para sim mesmo, logo no início da noite dialogando com o cérebro discreto e totalmente embriagado. Para o sofrimento, filosofia, bebida e uma soneca!

Adelaide tirou os sapatos dele nos primeiros roncos. Ela cuidava muito bem daquele homem de coração bom. Permitiu ao padre entrar noite a dentro com a mesma cara de homem bom que o acompanha nos seus momentos mais duros, que são partes constantes de sua vida. Bebidas e mulheres eram seus pecados. E vivia ainda para Deus. Adormeceu e amanheceu seu punhado de horas naquela poltrona.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Dia dos Namorados: não se iluda

Vida de solteiro. Inevitável sentir ou não. Dia dos Namorados. Não dá para pensar em ser solteiro sem pensar em namorar e vice-versa. Mais delicado ainda: vida de solteiro em oposição à vida de não-solteiro. Já falo: não nos iludamos.

Darei uma palestra para jovens falando de Amor nesta sexta, dia 12/06. O tema foi sugestão pelo dia. Dia dos Namorados. Pedido da coordenadora da ONG.

Os dois grandes temas da Arte, nos filmes, na poesia, nos livros, nas peças de teatro etc., são Amor e Morte. Dois temas universais ao redor dos quais tudo gira. A morte é um fato; o amor é uma real ilusão. Lembro que o amor pode passar pelo perdão e pelo sacrifício. Mas como o amor tende mais para a ilusão, durante nossas vidas, nós nos ocupamos infinitamente mais com o Amor, o amor-ilusão. Sim. Iludir-se é arrebatador.

Não se enganem. Namorar é o início de uma ilusão em que se envolvem vaidades e entregas. Às vezes contra a própria vontade. Às vezes aos poucos impondo a própria vontade. Uma dispita.

Há um filme interessante a respeito, chamado "Alguém tem que Ceder". O nome já diz tudo sobre o filme. Lembro o filme porque ele é sinônimo de entrega: um dos dois tem que ceder. Quem? Cede com mais facilidade quem ama mais, ou é mais inseguro, ou mais maduro, ou simplesmente por não amar mais e ser indiferente. Resumindo: ceder ou é fraqueza ou indifereça ou virtude de maturidade.

Não se engane quanto à ilusão do namoro em si. Demore no namoro o máximo possível, até o fim da vida, mas não nos enganemos sobre a ilusão: um dos dois será a posse, um dos dois será oprimido, um dos dois carregará um fardo mais pesado. Se valerá à pena? Oras, aí não é questão de julgamento. Já é experiência. Já pensou que as pessoas querem apenas sentir a experiência de namorar? O que incomoda às vezes é apenas esta coisa simples chamada falta de experiência.

Evidentemente esta reflexão é mais para os solteiros. Mesmo porque eu escrevi estes dias que "apaixonar-se por mim é um perigo, porque não creio mais em paixão, senão comunhão de gostos e caminhos semelhantes." Não dá para se iludir mais.

O fato que deve ficar claro é que quem ama não desiste. Não desiste mesmo. Se desistiu não ama mais. Não sei quem disse, mas foi falado que "onde não houver amor, não se demore." Talvez mais um motivo para não se iludir com o namorar. Sou a favor de tudo desde que não seja o mal e desde que seja uma vontade pessoal. Apenas não se iluda com a falta de namorado ou de namorada. Ou de ambos. Vai saber, né?

Sexta-feira as pessoas manifestarão seus amores e eu tenho certeza que a maioria deles é sincera. É que eu já estou velho e passei por tantas coisas em relação a sentimentos amorosos que sublimei tais valores ilusórios e mantive o que me importava. Aquilo que nos importa preservamos mais. E uma das coisas que me importa é dar palestras. Sexta-feira, aliás, falarei de amor. Espero que o jovens saiam crendo mais ainda no amor e se possível mais apaixonados. Se possível também, por si mesmos. As pessoas amam quem, primeiro se ama. Engraçado, né? Por que será?

domingo, 7 de junho de 2015

Por Sheila

"Oi, Flavio, está muito rico seu 'Miguelito'. Rico em conteúdo, em idéias, em sensações. Você escreve de um jeito tão profissional, sabe, que, de verdade, senti orgulho só por te conhecer. Está fácil de ler, mas não por ser simplório, porque isso ele não é, mas talvez pela sua forma de escrever mesmo, sei lá, seu jeito, suas técnicas. Está agradável, gostoso de ler. Tudo muito bem escrito. Te agradeço por me mandar. Essa coisa que você fez de colocar a religiosidade conversando com a sensualidade deixa a estória forte, mas não está apelativo, está bem dosado. Quem está lendo, fica com vontade de ler mais.

Sabe a cena que mais me envolveu? A que você descreve o Juan e o Juarez brincando com as formigas enquanto a mãe está caindo sozinha com a bolsa já rompida. Sensação ruim. Ainda com ela pedindo ajuda e o marido nem ouvindo por haver acabado de chegar da farra. Essa tia que também não ouviu por estar lá rezando tanto. Coitada da Terezinha. Só as crianças ali. Nossa!"

sábado, 6 de junho de 2015

Qual o tempo de sua paciência?

Qual o tempo de sua paciência?

Qual o tempo de sua paciência? Antes de pensar e refletir a respeito do tempo de nossa paciência, pensemos quando estamos em desespero que se resume todo nosso tempo naquele momento.

Nosso desespero é nossa paciência ao infinito. O tempo não passa. Não penso diferente. O nosso desespero, ou em nosso desespero, temos todo o tempo do mundo, porque não temos mais nada e esperamos todo o tempo necessário. Nossa paciência atinge o ápice em nosso desespero. Paciência no sentido de ser paciente, dependente, não ativo.

O que é o desespero senão um ato de esperar com fé? Fé de que, não importa se em um minuto ou em uma década, nosso coração terá paz novamente. Me vem à cabeça a paciência que o desespero de uma doença gtave exige de todos nós. Não importa o tempo; importa a cura. A cura é a nossa paciência. E esperamos o tempo necessário. Queremos a cura.

Fora nosso desespero e às vezes a indiferença, nossa paciência se limita a muito pouco tempo. Colocamos então um limite. E mandando catar coquinho.

Eu, por exemplo, dedico poucos segundos a qualquer desafio de charada. Eu, por exemplo, não espero muito à mesa de restaurante. Eu, por exemplo, não espero muito a resposta de um "sim" ou "não". Eu, por exemplo, levo a sério meu sim e meu não. Acho inclusive desonesto a pessoa morna, que não cheira nem fede, nem sim e nem não. Nem nada.

Posicionar-se rapidamente é respeitar a paciência do outro. Inclusive, não tirar a paciência do outro.

Aliás, se podemos ter pouco paciência para algumas coisas, é como se não sentíssemos a falta dela.

Mais exemplo. Ser agredido verbalmente machuca tão pouco quem tem paciência que depois a pessoa ri a respeito; ser ofendido na honra também nem cansa tanto a pessoa paciente. Nossa estima sabiamente equilibrá-se na nossa paciência.

Nossa paciência é quase plena no equilíbrio. Não acho a vaidade necessária para a existência humana. A vaidade em si lembra a fraqueza. Ser fraco não nos leva a nada senão à compaixão, à dó, à piedade do outro. Quem quer ser vítima? Quem tem dom para vítima?

Quanto tempo devemos esperar pacientemente? Tenho por mim que se for mero desafio sem consequências (por exemplo, charadas), nem devemos perder tempo. Desista logo e não se canse psicologicamente. Mas se a dádiva de nossa vida estiver em jogo, o tempo necessário será nossa cura e a paciência um dos remédios importantes.

Há quem pragueje porque é ansioso. Há quem viva pacientemente porque a única alternativa. Viver exige comer, respirar e dormir. O resto para viver bem, exige tempo e paciência. Se não for para viver bem, nem gaste as suas preciosas energias. Somos (do ponto de vista "quântico") energias puras. Trocamos energias. Sentimos as energias. Onde houver paciência, demoremos lá. Do contrário, boceje interiormente e vá ao banheiro. Ninguém se preocupará do escremento que faremos escondidos, mas que algum dia será certo. A quem quer roubar nossa paciência, cocô neles.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Vallet ou Segurança

Vallet ou Segurança

Ontem, em uma festa de 15 anos. Debutante. Minha sobrinha. Eu pouco habitual dentro de um terno. Peguei o que tinha: calça, camisa, terno. Primeiro foi minha calça preta. Depois a camisa preta. Por fim, o paletó preto. Como muito de preto, botei uma cor na gravata, um azul predominantemente claro.

Minha primeira surpresa foi na entrada. Deixei meu carro na rua (tempos difíceis). Minha filha e sua amiga entraram. Fiquei na calçada, quando um senhor me dá uma chave na mão. Eu a peguei, sorri. Ele não foi gentil. Um rapaz ao lado entendeu. Pegou a chave de minha mão e foi lá estacionar o carro do senhor. Exato. Passei por manobrista de Vallet. Mas não dei por mim não. E sorri.

Subi. Vi meus irmãos, mãe e primos. Bebi. Comi. Coisa que eu gosto. No momento das homenagens à debutante, formou-se aquela organização. Eu parado, esperando, quando me chamam para ficar em um lugar específico. Obedeci. Era o organizador do evento, o chefe, e me botou como segurança ao lado de outros: todos vestidos de preto. Fiquei, ué! É bom ser útil. E sorri.

Por fim, encerradas as homenagens, narrei estes dois fatos a irmãos e meus primos. Foi então que me explicaram. "Você está todo de preto! Ou é segurança ou manobrista de Vallet!", e todos se abriram a rir. Vez ou outra, um pegava a chave do carro e "Já estou indo. Pega meu carro?".

Sabe do que gostei? Por alguma razão me identifico com a imagem pre-estabelelecida que a roupa traz às pessoas. O mundo julga as imagens porque é algo imediato, midiático, rápido.

Fora isto, um primo que não via há anos dizia "você é o cara mais inteligente que conheci", (nem tanto); um outro primo "flavinho, sobre inglês...", e falamos como o estrangeiro vê nosso sotaque etc.; e uma pessoa que eu só conhecia no facebook (parente distante) me chamou de escritor. "Eu sei. Conheço. O escritor." Foi a primeira pessoa que acha que eu sou escritor antes de ser professor. E arrebatou quando se despediu "eu tenho muito orgulho de você." Eu, meio tímido, só agradeci.

Quem conhece o interior das pessoas, sorri com o exterior, quando há mais coisas dentro do que fora. Foi muito engraçado. Marcou e acho que só vou vestido daqui para frente de vallet ou segurança quando o social for a regra.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Trecho Miguelito: Memórias

─ Lembro-me, disse padre Miguel no púlpito, de que quando tinha 12 anos, uma pessoa bateu palmas em minha pequena casa, pedindo comida. Eu morava nesta época em Goiás, em três cômodos simples, um minúsculo sítio. Minha casa dava de frente para uma rua de terra e atrás a terra. Meu pai, minha mãe e meus irmãos foram cedo na roça, plantar e cuidar dos poucos animais. Por sempre achar que meu coração pendia para o bem, eu não sabia ser indiferente. Pedi para aquela pessoa entrar em casa. Pedi para ele se sentar na mesa. Fritei dois ovos. Coloquei arroz e feijão. Fiz salada. Ele comeu. Levantou-se. Agradeceu e eu o acompanhei até a o portão de madeira, que era simbólico. Ele nunca mais voltou. Aquele homem podia ser Deus me testando, mas Deus não testa as pessoas. Deus ama. Apenas espera de nós escolhas certas. Mas aquele homem podia ser o Mal querendo tentar-me para eu ser tão mau quanto o Mal é para as pessoas, tirando delas o amor. O fato é que abri minha casa da mesma forma que abro meu coração para quem precisa. Quando criança, para mim, era natural fazer o bem, ou achar sempre em fazer o bem. O sacrifício é uma mistura de responsabilidade com compaixão. Por este motivo guardo em meu coração tão poucas dores intencionais. Prefiro abrir sempre a minha casa, que é meu coração a fechar as portas para morar nela somente o egoísmo, a ganância, a arrogância, o desamor, a crueldade, a malevolência, a maledicência, o mal. Verdade que quem abre seu coração, geralmente vive com ele bagunçado, mas nunca na solidão. Prefiro a bagunça à solidão. E talvez por este motivo, por esta razão, Deus me deu as chaves das portas de tantos corações humanos e a possibilidade de transformar muitas delas em histórias e em sermões. Há seis meses enterramos Terezinha, há sete dias foi a vez de sua tia. Logo mais seremos nós. Nossas memórias, nós as encontramos dentro de nós e no legado, como herança, nas pessoas que deixamos neste mundo e nas coisas que criamos no mundo. Deixamos pessoas e criamos coisas. Por isto amar deve ser nossa lei. Amem! Amem e se possível se sacrifiquem. O respiro de hoje é um diálogo futuro com o expiro inevitável. Que Deus acolha esta alma tão boa como foi da saudosa tia! Que Deus tenha misericórdia de nossas falhas sobre ela!

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Não à Arrogância

Minha simplicidade não tem espaço para arrogância. O início de qualquer fim para mim começa com aquela preguiça da má vontade ao exigir em tom de brincadeira algo que nada justifica pedir ao outro senão para marcar o território de quem é que manda. Quando um ser humano quer impor-se de modo sutil para descansar no cansaço alheio, logo esta manipulação dá as caras de arrogância. Definitivamente, não sei viver com arrogância. Não me nutre.

Há também a arrogância sobre as pessoas e seus limites. De modo arrogante, muitos sabem que eu sou culto, com certa inteligência, um bom comunicador, inclusive relativamente bom orador, excelente argumentador, salpicado de bom humor para deixar mais leve o semblante filosófico, e posso construir nos limites do outro minha supremacia e crescimento. Muitos sabem disto. Porém, estes mesmos muitos sabem que eu não uso aquilo de pior no ser humano: a manipulação. Eu acho feio e covarde. Vejo claramente quem manipula por este motivo. Me cansa demais e me distancio. Por uma razão simples. Eu amo cercar-me de pessoas boas. Colocando em prática a manipulação descarada e arrogante, quem me restaria? Meus semelhantes arrogantes e manipuladores, e nenhum deles teria a essência do amor, do amor de quem ama porque amar na essência é sacrificar-se.

Cheguei à óbvia conclusão de que estar livre paga um alto preço quando sabe o que representa a prisão de baixo preço. Faço de tudo para sentir-me livre hoje em dia. Qualquer obrigação emocinal me aprisiona. Já disse que manipular é feio. Afasto-me, portanto. Mesmo porque já dei relativas chances para as pessoas entrarem em minha vida. Quase todas invadiram. Como também sou solo sagrado, ao menos limpassem os pés. Ainda há pegadas e pegadas arrogantes.

Senti-me feliz no Bate-Papo com o Autor com os alunos da escola pública e claramente aquilo me fez e me faz feliz. Não quero as felicidades que aprisionam porque são arrogantes. A simplicidade daquelas crianças me credencia a saber quem eu quero que me ouça, por isto eu vou. A energia gasta com elas se auto-alimenta e não suga. Simplicidade é uma troca. Arrogância para mim é vampiro emocional. Minha idade sabe onde deve ir a ponta de meu nariz. Lá eu me posicionarei. Ainda que de castigo por sonhar demais. Não gosto de arrogância. Gosto de sonhar.

terça-feira, 2 de junho de 2015

A Prostituta Iniciante (conto)

- Ontem eu fiz programa.

- Como assim?

- Sai com alguém e cobrei por isto.

- Como? Garota de programa?

- Isto.

A partir daí Jéssica e Beatriz ficaram em silêncio. De um lado, os olhos lacrimejaram, do outro, a face ficou pálida. As mãos não se desgrudaram.

- Era isto o que de importante você tem para me dizer?

- Não.

A surpresa virou espanto.

- Eu vou me mudar hoje.

- Por quê?

Enquanto uma recompunha os olhos, a outra deixou deslisar livremente as lágrimas. Quando tentava responder, a emoção continha, a voz soluçava. Ela respirava profundamente. Engolia o vazio. Desviava os olhos em direção ao par de sapatos vermelhos com salto baixo que usou ontem. Eram ambas bem altas. Modelos de lojas baratas no Brás e Bom Retiro.

- Vou virar garota de programa, concluiu. Vou ganhar bem mais. Cansei de desejar, sem poder ter. O mundo me conquistou. Eu me rendi. Ontem, em duas horas, recebi o cachê de uma semana.

A outra desejava tanto quanto ela o mundo do consumo. Seu corpo, entretanto, era sagrado porque o creme que passava, o perfume que usava, a roupa e acessórios que vestia, as horas de dedicação aos cabelos, unhas, depilação, o cuidado com os exercícios e caminhadas representavam todo valor em suas memórias. Ela queria ter sua velhice com boas memórias. Queria viver sem que nada roubasse seu propósito de dormir consigo mesma e ir aonde quisesse com a sacralidade de suas experiências e sensações, compartilhadas com emoção com os corpos que amava. Somos memórias. Somos nosso conjunto de emoções que arquivam nossas memórias.

- Vai morar onde?

- Num apartamento na Alameda Jaú. Acertei hoje de manhã.

- Não sei o que falar. Nossos mundos são tão parecidos.

- Você tem medo?

- Medo do quê?

- De virar garota de programa também?

O silêncio, então, suprimiu o som dos carros no Minhocão. Um andar acima próximo à estação Santa Cecília. Já nem mais era barulho durante o dia. Som ambiente.  Agora nada. Cegueira e surdez interna e externamente.

Veio à cabeça o cuidado do pai que ainda vivia em um pequeno sítio no interior do Paraná com a madrasta e dois irmãos pequenos por parte de pai. A crença de que a beleza pode ser uma arte no corpo de uma mulher, sem que o corpo domine a essência da beleza.

A professora Odete, que a motivou a ir para São Paulo:

"Você é linda, menina! Vai para São Paulo ser modelo.", e ela refletiu por cinco noites seguidas até decidir.

Saiu da pequena cidade Alexandra com o pai até a Rod. BR-277, onde esperou na estrada o ônibus. De lá até Paranaguá. Então Curitiba. Então São Paulo. Faz dois anos. Indicação da própria professora Odete. Ela ganhava.

- Tenho medo, admitiu. Não quero para mim. Não quero fazer programas, e chorou.

- Eu entendo. Você não tem perfil. Eu tenho. Eu quero. Eu gosto. Me sinto bem e não quero perder sua amizade.

O silêncio dialogou com fortes abraços e lágrimas.

- Já fiz minhas malas. Vou deixar dinheiro para a metade do aluguel dos próximos três meses. Estou indo agora.

- Não precisa deixar dinheiro. Já está quase noite. Dorme aqui.

A amiga levantou-se da cama. Foram dez meses de confidências e amizade.

No fundo, o corpo se comunica com outros corpos, intuia ambas. Seja no distanciamento dos sentidos: visão e audição; seja na aproximação: tato, olfato e paladar. Em síntese, a prostituição são nossos instintos de aproximação, o que faz da intimidade uma troca do dinheiro pelo corpo. É mais caro do que apenas ser modelo, em que o máximo que existe é apenas ser olhado, ser visto, ser um corpo envolto por alguns panos e bijuterias. O valor do corpo não é a beleza que há nele. São os sentidos que permitimos aos outros: próximos ou distantes. A prostituição paga a aproximação. Mais do que uma escolha, uma troca.

- Uma última palavra. Posso?

- Sim.

- O problema da prostituição é que não existe troca. Quem dá perde mais do que quem recebe.

- Existe sim. Eu sou meus sentidos de aproximação e eles me dão dinheiro. Aí eu faço o que eu quiser com o dinheiro. Compro o que eu quiser. Sinto-me feliz.

- Por vaidade de seus próprios sentidos, vale à pena ser um objeto de luxúria e prazer? Vale? Vale?

Ela não respondeu. Ficou magoada. Partiu. As amigas nunca mais se falaram.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

BREVE APRESENTAÇÃO: MIGUELITO

BREVE APRESENTAÇÃO: MIGUELITO

Miguelito ainda vive. Neste exato momento ele viaja de volta para o Brasil. Este livro, Miguelito: Memórias, que você lê agora, está pronto há alguns meses, saindo agora em formato de livro impresso. Porém, eu tenho próximo de mim, em cima de minha escrivaninha, ao lado da tela do meu computador, outras memórias manuscritas pelo próprio Miguelito, que ele escreveu nos seus anos confinados. Não posso dar detalhes porque não tenho autorização. Eu li e reli algumas vezes estes manuscritos do seu confinamento. São fantásticos e esclarecedores. Provavelmente, em um futuro próximo, elas virarão um livro para justificar este em suas mãos. Assim que o Miguelito real estiver no Brasil, eu me encontrarei com ele e discutiremos tanto este que ele autorizou a virar livro quanto suas memórias.

Confesso que ainda estou assimilando e processando com cuidado suas experiências dos nove aos vinte anos em seu auto-confinamento totalmente consciente.

Seu avô, padre Miguel, vive com a mulher Mariana em Alto Paraíso, em Goiás. Ele tem recebido algumas cartas do neto, de partes diferentes do mundo. Diz ele que são as experiências dos seus vinte a trinta anos. Tive acesso apenas à primeira delas. Já o pai de Miguelito, Pablo, passou alguns meses com o avô em Alto Paraíso. Veio atrás de dinheiro. Conseguiu o que queria. E partiu como fez das vezes em sua vida. Disse que iria para São Paulo.

A vida de alguns é ficar; de outros é partir; de outros raríssimos, como eu, fazer o que a imaginação lhe dá quando tem talento. Padre Miguel viu em mim um talento confidente para escrever e me deu o privilégio de conhecer os primeiros anos de Miguelito, começando pelas idas e vindas de seu pai, o Pablo que veio do Peru, quase divisa com o Brasil.

Eu inicio a narrativa de Miguelito através de seu pai. Embora nada o pai tenha influenciado a vida particular de Miguelito, senão o ter engravidado Terezinha.

Miguelito hoje está homem com trinta e dois anos, e por isto padre Miguel me orientou a trazer para as memórias as poucas coisas que sabia do pai e quis que as memórias do neto começassem com as primeiras memórias do pai.

Padre Miguel tem em si a complexa vertigem do sacerdócio e do homem que viveu e procriou. Tem filhos e os ama. Quer que o pai venha junto com o avô e as gerações se toquem em todos os momentos. Por respeito e por obediência, assim começa a história da futura vida de Miguelito. Por mim, este relato seria mais as memórias do avô do que as do neto. Eu argumentei apenas uma vez. A idade avançada do Padre Miguel e minha delicadeza de meu berço britânico não mais tocaram no assunto depois da negativa dele.

Assim iniciam as memórias daquele que escreveu suas próprias memórias e ainda vem mandando impressões do mundo, neste vasto mundo em temor depois dos atentados nos Estado Unidos em 2001.

São Paulo, 2002

CAPÍTULO 1.
O PAI DE MIGUELITO, PABLO TOMAZ

Miguelito Tomaz era o terceiro filho homem de Pablo Tomaz e Terezinha Pinto Tomaz. Nasceu em agosto de 1980, na Maternidade Bárbara Heliodora, próxima ao bairro Papôco - das áreas mais pobres de Rio Branco, capital do Acre, lá no norte do Brasil, onde muitos brasileiros do sul maldosamente insistem não existir.

Vivendo de favores há alguns meses em Rio Branco, e quase falido, Pablo Tomaz, – peruano da cidade de Pucallpa – não perdia a vida de boêmio prosador que era e contador de histórias. Em Rio Branco, ao longo dos anos 1978 a 1980, Pablo conseguiu fazer uma pequena fortuna, porém consumida toda riqueza que acumulara, sem nenhum arrependimento, na poesia noturna da vida. Chegou pobre; ficou rico; voltou à pobreza e partiu.
Em 1980, o peruano Pablo tinha 21 anos, dois filhos homens com a mesma mulher, Terezinha. Desposou-a em 1978 em terras brasileiras, dois meses depois de fugir do Peru. Entrou no Brasil sonhando a aventura de chegar ao Rio de Janeiro o mais rápido possível, porque o conhecia pelos comentários do patrão, Hector Munhoz, de quem, aliás, fugiu por causa de um justificável corneamento. Pablo, por sinal, era seu filho bastardo. Hector Munhoz, ancião de 96 anos lá no Peru, marido de Melissa.

Tinha, então, 19 anos o Pablo, e ele sedutor prometeu à jovem Melissa o amor (e seu calor) que o velho marido nunca lhe dera nos dez anos de matrimônio. Pudera! A impotência de uma doença física tão débil quanto a moleza de seus pensamentos deixava Hector Munhoz imóvel em uma cadeira ao longo dos dias inteiros.
Melissa tinha então 16 anos quando foi parte do pagamento da dívida que o pai da jovem contraiu com o velho Hector. E não foi a contragosto. Inocente e obediente. Via em seu sacrifício o destino da honra.

Aos 26 anos, no entanto, Melissa era ainda tão sexualmente pura e virgem quanto o pó que Hector produzia e exportava para o Brasil tendo por principal rota o infindável rio Amazonas. Melissa, 26 anos, inocente (coitada!), ingênua (coitada!), desesperada (coitada!) e virgem (que angústia!) deixou-se facilmente envolver pelos sussurros Pablo.

─ Vai pensar sempre em mim, meu querido?

─ Vou, respondeu beijando-a na testa.

─ Vai me tirar daqui e me levar com você, meu amor?

─ Vou, disse, despindo-a da saia.

─ Vai ser o pai de meus filhos?

─ Vou, respondeu perdido em seus seios e pernas.

─ Você promete pela Santa Rosa e pela Nossa Senhora das Mercês que fala a verdade?

─ Vou, falou mecanicamente. Quero dizer, prometo, claro que prometo, e finalizou apagando as velas, mergulhando na escuridão da noite de cabeça ao longo de seu corpo inteiro. E se gritos houve, foram internos e ensurdecedores. A menina perdeu a virgindade e se apaixonou.

O marido Hector Munhoz despachava para o Brasil centenas de quilos das barras de pó branco, produzidas lá na sua fazenda Santa Clara. Toda semana. As barras deste pó branco rendiam muito e eram consumidas e valorizadas nas altas classes sociais, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Era um néctar em pó ao nariz destes dionisíacos. Todos temiam Hector. Sua autoridade tinha muitos tentáculos, muito poder e, com isto, muitos olhos e ouvidos obedientes. Um destes ouvidos ouviu e viu na imaginação as promessas de Pablo para a Melissa ao longo de uma noite inteira. Os gemidos abafados ecoaram em sua mente.

Quando ficou sabendo do filho bastardo sobre a virgem de sua velhice ficou em silêncio. O velho Hector Munhoz não mais matava e nem mandava matar seus inimigos e desafetos e traidores por razões religiosas. No final dos anos 1950, quando começou seu pequeno império, abraçou a Igreja Católica e fazia valer todos os Dez Mandamentos. No entanto, não deixava de ser justo com os injustos. Cada qual tem que pagar com o devido merecimento qualquer débito. Para o bem; para o mal. A morte, dizia ele, quem dá é Deus, só corrijo as causas e faço valer as consequências. Afinal, o mundo anda muito mimado e desobediente.
E veio o capataz Rodriguez. Era início da tarde de janeiro de 1978. Chovia muito. Não apenas levantou as suspeitas, como disse tudo o que ouviu entre a pura Melissa e o filho bastardo Pablo Tomaz. Depois de refletir em silêncio em sua cadeira:

─ Bom saber!, exclamou com dificuldade e a expressão vazia no olhar indiferente a tudo, sentado no átrio do casarão rústico de sua fazenda.

─ Eu ouvi tudo, patrão. Só não olhei por respeito ao senhor. Os dois passaram a noite..., e não conseguiu continuar mais detalhes. O que devo fazer?

O velho Hector Munhoz nem mais tinha em si qualquer consciência de sexo, de pudor, de desejo, há pelo menos 15 anos. Nem a honra importava muito. Pesou muito foi a autoridade. Um homem, se não tiver autoridade, que ao menos seja temido. Algo que até a sua morte, não abriria mão. Sua autoridade. E para manter-se temido, mandou arrancar do Pablo, o pai de nosso futuro herói, Miguelito Tomaz, o instrumento de calor que atenuou o fogo de Melissa, e matou sua pureza, e enfiar – ainda ereto como prêmio – no traseiro dele com todas as pompas de galanteador.

─ E é para deixar lá dentro, falou sofrivelmente o velho. Deixar lá dentro. Só não deixa morrer que é contra os mandamentos. Costura. Costura para não sangrar muito. Leva para o médico. Só não mata. Não devemos pecar. Ele vai continuar aqui e saber quem deve obedecer. Depois vejo Melissa. Vai. Vai lá, e terminou, voltando a fechar os olhos para exatamente na outra manhã nunca mais abri-los. Morreu no outro dia. Capricho do destino.
A janela do quarto de Melissa era a dois metros de onde vinha a conversa. E ouviu as ameaças. Seu coração apertou. Nem medo de si teve. Temeu pelo seu amado que a tinha desposado de verdade.

─ Hoje à noite, patrão, vamos pegar o abusado.

Ela ouviu não de bisbilhotice. Pura coincidência dos enredos da vida. Seu menino estava em perigo. Acreditou nas juras de amor do jovem. Contou para ele, antes do anoitecer, que iriam pegá-lo. Cada palavra, cada detalhe. Nem pensou em si. Já escurecia. Seis horas na região equatorial, a noite é não escura e misteriosa quanto nossos medos e vontades de amar. Estava escuro. Muito escuro. A canção da natureza era ainda a chuva resiliente que insistia sem raios e trovões. E calor. Muito calor úmido. Pablo e Melissa se olharam. Ela não havia visto o velho marido desde manhã. Fingiu dor de cabeça o dia inteiro. À noite foi ao quarto do menino. Será uma despedida! Ambos ouviam a fraca garoa e o coaxar dos sapos. Mesmo assim, a excitação do desconhecido, da despedida, do clima, da noite, da chuva foi tamanha que nem o medo e o desespero da notícia os impediram de investirem-se um contra o outro porque sexo é a coragem da vida, e o primeiro suspiro de uma futura vida; é a liberdade quando em comum acordo de dois corpos! Fizeram sexo. E foi, por hora, uma última investida de calor com a mulher do velho. Verdade que no futuro iriam se reencontrar. O legado deste último ato foi que nove meses depois nasceria outro filho, que não é ainda o Miguelito, mas filho de Melissa com Pablo, o que ninguém soube. A explicação abaixo.

Como o velho Hector Munhoz – novamente o enredo da vida –  morreria no outro dia pela manhã, ninguém insistiu na calúnia de que o filho de Melissa não seria dele. Não morreu corno, diziam. Morreu porque sexo mata o coração fraco do velho! Para a sua honra, ficou a dupla homenagem. Ganhou fama de viril para todos e corno para os íntimos. No futuro, o corno iria prevalecer. Melissa assumiu com surpresa aos poucos os controles do comércio do pó e deixou afirmar as verdadeiras maldades contra o seu finado marido. As caricaturas vem do riso que enfeitam a vida! Afinal, Hector Munhoz não foi dos mais alegres homens neste mundo. Quem não é alegre é caricato.
Voltando à fuga de Pablo, este fugiu na mesma noite, levando consigo uma grande quantidade da mais alta pureza do pó branco, que Melissa lhe deu. Imaginem só!, e que ela sabia valer muito dinheiro no Brasil. Um punhado de dólares. Dois anéis de ouro.

─ Vá para o Brasil, Pablito! Vá para o Brasil. E tome aqui, meu amor, estes dois anéis. São de ouro. Um meu e outro do velho! Vai precisar deles. Leve com você. Leve tudo.
Pablo levou tudo por insistência. Antes de partir, em cena dramática, Melissa, sem temer pela vida, perguntou com os olhos marejados:

─ Você volta para me buscar um dia, Pablito?

─ Sim, minha pureza. Claro, minha riqueza, e acalmou-a, beijando-a. Eu te amo, disse em um castelhano muito sensual.

(Ah, se Melissa e Pablo soubessem que ela ficaria viúva no outro dia! Ah, se ela soubesse que ficaria grávida de seu Pablito! Ah, se a vida nos desse um crédito antecipado de nosso destino! Aí não teríamos desilusões de parte de nossas histórias que são o conjunto de nossa herança mais valiosa – nossas memórias. A separação deles foi tão rápida quanto os momentos de fogo com fogo. Não há química mais violenta do que a virgindade de uma jovem, ainda mais a virgindade aos 26 anos e um jovem homem imberbe de 19 anos!)
Olhando para os anéis, momentos antes mesmo de partir, Pablo enfiou-os no bolso da calça e puxou Melissa para próximo si. Apertou-a ventre contra ventre, onde estava seu pensamento naquele momento. Sentiram o pecado entre as pernas. Uns esfregões. Isto excitava-os, deixando ambos com mais calor. Pablo quis mais; Melissa temia e fez o seu jovem amor refletir na impossibilidade de viver sem a própria vida, que valia muito para ele, ou pior, sem o seu instrumento de calor. Pior ainda, colocado tudo dentro de seu rabo! Temeram. Despediram-se definitivamente com um beijo. Partiu, saltando pela janela os dois metros ao chão. Barros e poças d’águas. Conhecia o mato denso da floresta daquela cidade peruana e adentrou-se até encontrar uma estrada. Foi por ela. Ainda chovia.

Pela manhã, sem dormir a noite toda, chegou ao rio Ucayali.

─ Daqui posso ir para o Brasil, pensou alto.

Um pequeno barco. Foi até ele. Conseguiu carona nele em direção ao rio Amazonas. Ofereceu trabalho, limpando e ajudando qualquer coisa. Neste momento, o importante é ir. Pablo sabia ser agradável. Ir para Manaus? Não! Arriscado. O velho Hector tinha negócios por lá. Seria fácil para eles. Melhor descer o Brasil. De barco em barco, de caminhão em caminhão, de ônibus em ônibus para o sul. Concluiu que o Brasil era uma extensão do Peru. Muito mato e água. Muita água sempre. Índios. Muitos índios. Onde estão as fronteiras? Na política, concluiu.

Vinte dias depois da fuga, chegou à capital do Acre, Rio Branco, e se hospedou no bairro Papôco, num pequeno cortiço cuja proprietária viria a ser tia de Pablo. Do pó puro que carregava e muito valorizado por quem o conhecia, Pablo trocou por comida, dinheiro e quartos para passar as noites.

Seu coração não via como fuga sua andança, mas sim uma aventura, uma viagem. Não se sentia fugitivo. Era um desbravador, um aventureiro em terras peruanamente estrangeiras. Sentiu-se senhor de seu destino e aprendeu a ser homem completo. Usou e abusou das histórias inventadas e da lábia sedutora como sua segunda maior virtude. A primeira virtude sua era sem dúvida o seu amor pelo sexo feminino. Amava sempre a todas. Em cada vila, cidade pequena, aglomerado de gente, deixou a sua marca.

Melissa, por sua vez, a esta altura, alguns dias depois, virou um longínquo passado na mente de Pablo. Não totalmente esquecida. Quase esquecida. Pela imprevisibilidade do destino, anos depois, Pablo e Melissa iriam se reencontrar em condições bem diferentes, vítimas circunstanciais do eterno retorno. Ela soube onde ele estava, pediu para ele voltar para conhecer o filho que tinha deixado; ele, sem perspectiva voltaria aos braços de Melissa para partir novamente anos depois em direção a Alto Paraíso, em Goiás. Assim conhecemos o pai de Miguelito.

CAPÍTULO 2
PABLO CONHECE TEREZINHA, MÃE DE MIGUELITO.

P
ablo era charmoso, sorriso largo, estatura média, um corpo fino, com músculos definidos. O cabelo era liso, grosso e preto. A pele branca. Olhos puxados. O que dava charme no danado, no entanto, era a combinação do olhar com o sorriso. Não havia beleza estética isoladamente. Era a harmonia e a sedução ingênua dos olhos e da boca, já que os primeiros eram largos e a segunda grossa. Nem seu tanto anjo nem demônio também. E as mulheres amavam este misterioso peruano.
No Brasil, em momento algum, deixou de lado o fogo, porque vivia consumido pelo mesmo calor entre as pernas, que o expulsou de Pucallpa. E não se continha e nem se conteve. Dia sim, dia não, ao longo dos vinte dias do Peru até o Acre, ele esfriava o calor em todos os vilarejos, em casas de meretrizes, ou, quando tinha sorte, com alguma índia sapeca que procurava marido, ou ribeirinha ingênua. Não precisa lembrar que esta fuga foi em 1978, e ele tinha 19 anos. Um menino. Um criança. Um aventureiro. E com a mente na aventura e não na fuga, chegou ao Acre.
Em Rio Branco, ele conheceu Terezinha, sobrinha de uma santa beata, dona de um cortiço no bairro de Papôco na Rua Marechal Rondon. Em poucas semanas na cidade, ele desposou a menina, tirando a virgindade dela logo nas primeiras tardes quando a tia ia ajudar o padre Miguel e o Firmino na fabricação da hóstia para as missas de domingo.
Terezinha foi filha abandonada pela mãe e morava com a tia de coração. Jovem bobinha de 15 anos, nunca teve mais de cinco minutos de conversa com um homem feito, e logo ficou encantada pelo peruano no primeiro Buenos Dias! e pelo seu instrumento de fogo, que deu muito medo na menina, é verdade, por tão avantajado, mas também foi paixão profunda.
Terezinha ouvia sempre a tia de coração. Neste sentido, era religiosa. A tia beata, que comungava a santidade e a castidade para o Reino do Céu, dizia do pecado que há no sexo fora da união sacramental. E é privilégio a poucos, menina. A vitória para Deus recompensará todos os esforços e sacrifícios. Apesar de toda concordância, o esforço foi pouco e o sacrifício nada. A tia beata e o Reino de Deus perderam. E Terezinha ficou grávida de Pablo, que ainda não foi do nosso herói Miguelito. A história deu-se resumidamente assim.
A tia alugava quartos para trabalhadores da borracha e aventureiros de passagem, que cruzavam Rio Branco para outros e inúmeros destinos. Pablo mais um cruzante. E por pequeno capricho ficou mais uma noite. Nas primeiras horas da manhã, sem dormir, leu bem sofrivelmente Pensão Benta. Eram por volta das oito horas de uma segunda-feira. A tia beata atendeu com um pequeno sorriso. Não viu maldade. Arriscou algumas palavras em espanhol. Falou o preço. Como ele pagou um mês adiantado, embora quisesse apenas um dia inteiro para dormir e prosseguir viagem no outro dia rumo ao Rio de Janeiro, foi onde se hospedou. Hospedou-se e ficou. Conhecendo uma dúzia de palavras em português, somado ao talento para cantar, fazer rir e seduzir, um dia pela manhã, mais precisamente na quarta-feira, Terezinha se encantou pelo jovem peruano e não resistiu quando sentiu em si mesma a sensação do calor que a mulher do velho peruano sentiu infalivelmente. A tia fora fazer hóstia. Pablo e Terezinha foram fazer um filho, que ainda não é o Miguelito. E, um mês depois, a tia beata quase enfartou por causa do atraso do período da sobrinha, que era tão preciso quanto as estrelas do céu e as pirâmides do deserto aos olhos dos turistas. Deduziu que seria tia-avó:
─ Por Deus, misericórdia, menina retardada! O que você andou fazendo na minha ausência? Não vê que a vida no céu traz glória para as santas aqui na terra? E você, menina, deixou sua pureza satisfazer a vontade do primeiro par de olhos sedutor? Ainda mais estrangeiros? Ah, quando eu pegar aquele peruaninho de merda, eu vou arrancar com faca quente o mal que fez a você para os olhos de Deus! Mas que diaba estava em seu corpo para deixar um provocador te embeber de luxúria, menina? E agora este ventre que vai virar uma melancia igual à barriga do padre Miguel! E você não fala ainda uma miséria de palavra? Ah, padre Miguel! Padre Miguel. Vamos lá falar com o padre Miguel!
─ A gente vai casar!
─ Vai casar o quê, menina! Este vagabundo deve estar agora voltando para a fronteira de onde veio. Mas é uma imbecil! Oh, menina retardada! Oh, menina desmiolada! Oh, menina asnada! E o bucho crescendo! E vai crescer! Oh, menina que mamou na teta de anta!
─ Ele disse que a gente vai casar!
─ Vai casar quando Rio Branco for a capital do Brasil, menina anta! Vai casar quando todo mundo falar por telefone! Vai casar quando um pobre espertalhão for Presidente da República! Agora é esta! Me fala que vai casar! Ai, se pego este aventureiro! Ah, menina que fez o que não devia!
Pablo, por sua vez, temeroso, escondido no corredor do pequeno cortiço de quinze quartos, atrás de uma caixa d’água vazia, às vezes olhando para o fruto do seu calor no meio das pernas, encolhido e medroso, testemunhava toda conversa entre elas para ver se fugia ou assentava a vida naquela jovem, e faria família. Era estrangeiro em uma terra estrangeira. Já tinha pronta a pequena mala com ainda boa parte do pó branco do velho Hector Munhoz, que trouxera, e os anéis no bolso das calças.
─ Que vontade de mandar matar aquele peruano! Só não mando matar aquele aproveitador porque o sangue daquele diabo irá tirar de mim a pureza da castidade de meus últimos anos dedicados à virtude e à Deus, e mataria o pai deste bastardo que você vai carregar no ventre por 40 semanas.
─ Ele disse que a gente vai casar!
─ E ainda você acredita!, retrucou a tia, segurando as mãos para não arrancar os próprios cabelos.
Vale à pena um aparte sobre a beata tia de Terezinha.
As línguas da cidade e do bairro Papoco diziam que ela, antes de consagrar os últimos cinco anos à castidade e à virtude moral da Santa Sé, era conhecida como a Santa Clara das Noites nas casas de meretrizes de Rio Branco. E embora ninguém tivesse absolutamente nada com a vida pessoal da tia de Terezinha, e ainda mais do seu passado, o passado dela não a enganava. Nem ninguém. E com o dinheiro, e uma certa benevolência do padre Miguel, comprou um pequeno cortiço por um preço metade do valor. O dinheiro de muitos anos do calor de tantos aventureiros do seringal e o desconto por benevolência do padre em troca de uma favor que logo alguns deduzirão facilmente. Verdade que ela já estava cansada depois de tantos anos dedicados à vida dura. Confessou com o padre que queria parar e foi quando ele teve a ideia de ela adotar a órfã Terezinha com 10 anos – um pedido pessoal do padre Miguel!
Largou a noite de Santa Clara das Noites para virar a santa das missas dominicais. Religiosamente. O padre Miguel ofereceu o cortiço por um preço irrisório. Era terra da igreja, não se preocupe. Como a terra então era santa, aceitou e purificou-se de todo pecado íntimo. Passou a usar roupas escuras; deixou o cabelo voltar a cor castanho claro natural; e aos poucos a fazer parte da vida clerical como beata. Não se feria com os preconceitos nem as indiretas. E como gostava de falar da vida alheia, não demorou muito para ser totalmente aceita pela outras beatas de igreja. Não perdia uma missa na Paróquia Santa Inês, na Rua Alvorada. A castidade veio com as beatitudes e aprovação das outras irmãs porque nenhuma não pecava em mais nada, uma vez que prosear da vida alheia não pertencia a nenhum dos Dez Mandamentos e nem “amem a Deus acima de todas as coisas, e ao próximo como a ti mesmo”.
─  Nossa, lá vai ela. Eu amo aquela ali, mas que vida perdida daquela imoral. Olha lá indo em direção à delegacia.
Lembravam da índia Chica do delegado.
─ Lá vai ela para mais um interrogatório. Toda semana. E vai provar mais qual crime?
À porta da igreja, testemunhavam passar a índia Chica, toda exuberante.
A tia de Terezinha, sem perder o puritanismo, dizia um “que vergonha!” constrangido pelo que foi, sem arrependimento no coração para os olhos dos homens.
O homem é mau e destrutivo. Quem se preocupa com a opinião alheia morre de desgosto. E este gosto ela não daria para ninguém.
Mas agora a tia de Terezinha estava com o maior desgosto de sua vida, e morreria de vergonha do ventre da sobrinha, que era para ser o exemplo da moralidade e castidade. Vergonha de si ela aguentava, mas vergonha alheia seria o fim. E quase agora arrancando os cabelos ouviu insistentemente de Terezinha:
─ Ele disse que vai casar comigo.
─ Casar o quê, disse em tom de desespero sem força para gritar! Já sumiu de Rio Branco, sua desmiolada! Já está embuchando outros ventres perdidos como o seu. E era o que me faltava para desgosto de minha cria que nem é minha! Criar filho de estrangeiro!
─ Sumi não, disse Pablo, para o susto quase fulminante da tia. E eu caso sim, confirmou.
Aquela assombração de supetão, arranhando suas primeiras palavras em um português sofrível e um espanhol grave deixou a tia paralisadamente estupefata e atônita. Por bem mais de um minuto. Sem saber o que fazer e se sonhava um pesadelo. Deveria ser sonho.
Quando acordou para a realidade, ao invés do ímpeto de arrancar de uma vez por todas o calor daquele ingrato e malfeitor, a tia os levou imediatamente para a igreja. Eram pouco das 10:00h da manhã. Com a mesma roupa, cabelo preso e cheiro de lavanda e talco, os dois seguiram a tia direto para o padre Miguel. Trocando algumas luzes queimadas da igreja junto ao seu jovem sacristão Firmino, o padre foi pego de supetão:
─ Casar?
─ Agora, apressou-se a tia.
─ Casar por quê?
─ Porque se amam e isto já basta para os olhos de Deus!
─ Você é batizado, meu filho?, perguntou padre Miguel ao Pablo.
─ Ele não fala português, padre Miguel, apressou-se a tia. Chegou faz um mês. E se apaixonou. E esta desmiolada também, e agora vão se casar
─ Mas se ele não for batizado...
Nisto a tia foi mais dura do que o esperado.
─ Se não for, vai batizar agora durante o casamento.
─ Mas como casar assim? E a aliança?
Pablo, que estava gostando da história toda, se lembrou dos anéis que sua efêmera Melissa lhe dera. Mais do que surpresa, a tia pela primeira vez sentiu menos desespero no coração.
─ Pronto, padre Miguel, aqui está. Duas alianças. Agora é só casar. Como se celebra uma união em todos os casamentos.
O sacristão Firmino, um jovem então de 13 anos, por ordem do padre Miguel, foi pegar a batina. Sem mais perguntas os uniu para o alívio máximo da tia e visível contentamento de ambos, Terezinha e Pablo. Já padre Miguel iria horas depois exigir mais detalhes da tia, e não por mexer na vida alheia, mas sim porque diziam as outras péssimas beatas que ele era o verdadeiro progenitor de Terezinha com outra meretriz que fugiu um mês depois do parto. E desde seus primeiros meses, cuidou dela no orfanato da igreja até fazer a menina morar com a atual tia.
O matrimônio de ambos, então, se confirmou sete meses depois com o nascimento do primeiro filho homem do casal em dezembro de 1978, o Juan. Em 1979, exatos um ano depois, vem o Juarez. E, por fim, em 1980, e de forma trágica, nasce o último, o Miguelito, que não teve o nome iniciado por “J” por uma circunstância inusitada que mais para frente será explicada. Mas a respeito de Juan, o primeiro filho, a tia de Terezinha, dizia para suavizar o rápido casamento:
─ Juan? Nasceu prematuro o menino, com 38 semanas, mas com saúde de leão, forte e gordo! Um bezerrinho de tanto que mama. É agarrado ao peito da mãe dia e noite. Com a vida forte assim só pode ser benção de Deus. Oh, menino abençoado de ter o pai e a mãe que tem.
Três dias do nascimento de Juan, padre Miguel o batizava. O padrinho e madrinha foram o casal Afonso e Diná, que moravam no cortiço há dois anos e meio. Pelo favor, ganharam seis meses de isenção do aluguel e conseguiram junta dinheiro para comprar seu terreno. A vida tem alguns momentos sem explicação que valem alguma coisa real em troca. Afonso e Diná ganharam algo sem saber ler e assinar. Belo casal.

Whatsapp, Blog, Facebook

Hoje pela manhã pensei como eu veria os textos que eu mesmo escrevo. Foi uma auto-análise bem breve. Como o propósito da escrita é causar, qual seria a consequência das palavras que saem de minha mente na mente de quem eu empurro para a leitura? Confesso e admito: a maioria das coisas que eu leio dos outros cronistas me cansa. Não sei se por que eu já escrevo ou se por que é cansativo mesmo. Na dúvida, fico com ambas alternativas, inclinado para a primeira opção.

Sem resposta clara, eu pensei nos textos que eu leio na Internet todos os dias. Concluo que hoje lê-se muito mais. A palavra escrita para quem tem um smartphone é imediata. Artigos de tamanhos médios e longos. Começamos a ler com alguma vontade. Aos poucos vamos cansando porque sentimos algo repetitivo sem fechar a porta que se abriu.

O que nos falta, então, quando lemos, é aquela sensação de fim. Falta muito? Geralmente falta. E se não falta muito para acabar é um sintoma de desespero interno: nosso vazio realmente está muito grande, muito mais do que o cansado do repetitivo.

Virei um cronista de minhas próprias plataformas. No Whatsapp você compartilha, no Blog você arquiva, no Facebook você 'historiciza' como breve notícia: seja de fofoca, seja de diário, seja de denúcia ou auto-vislumbramento. Aliás, as notícias tem vida tão dinamicamente curta. Prefiro o Blog e o Whatsapp para arrancar pensamentos.

Todo artista, que busca seu espaço e não quer virar mercadoria, deve ter o cuidado de deixar sua vida a mais aberta possível. Não há segredos para a arte. Não deve haver segredos em um artista. Intimidades há. Claro. Mesmo assim, não existe intimidade real, a não ser compartilhada com alguém, de modo que o artista faz de sua intimidade algo público aos íntimos e revela ao mundo em arte a sua representação interna sobre o mundo.

Aliás, sinto falta desta maturidade nos textos que eu leio por aí: ou é simples demais ou ingênuo demais, justamente porque querer falar abertamente tudo sem limites ou querer esconder seus atos falhos e não consegue, deixando escapar muita coisa. Capricho de nosso inconsciente. Mesmo assim, vivemos em uma época linda para a leitura, para a escrita e para todos: quem escreve e quem lê. Ambos por isto estão comigo. De ambos sou feito. Com ambos viverei...