segunda-feira, 23 de novembro de 2020

poema

Foi no seu olhar e no sorriso.
Havia seu andar calmo e lento.
Seus dentes lindos, precisos,
Brancos, e pele morena e bela.
Seus soltos cabelos ao vento,
Beijando a brisa do mar dela.
De repente me vi apaixonado,
Vi-me refém do que acredito.
Respirei sozinho e profundo
Meu amar solitário, em que me via.
Disse a mim mesmo que valeria;
Vale muito a pena sofrer e feliz,
Espalhandi versos cheios de alegria.

domingo, 1 de novembro de 2020

Sua Versão

Os dias foram infinitos, mas tiveram um fim. Machucou seu olhar permanentemente e ela nada mais disse a ele. Ela teve de manter o silêncio dos lábios inchados, dentes quebrados, soluços por refazer. Ela andou três quilômetros sozinha, por quase duas horas. A noite estava fria e úmida, antes de conseguir ajuda.

- Preciso ir, preciso ir, preciso ir.

Escapou sem sentir da dor do braço esquerdo cujos ossos estavam partidos. Mesmo assim, pendurados, Sílvia arrastou o corpo pesado, mas esquálido de menos de cinquenta quilos, longe do sítio.

- Se você for, você morre, ele a ameaçou.

- Rogério, por que você está fazendo...

Sem terminar, ele enfiava o dedo na sua garganta para sufocá-la com o ar de seu desespero, sem pânico.

- Vai ser seu momento, Silvia. Vai ser seu momento.

Pudesse contar, do primeiro olhar à faca no peito de Rogério, foram nove dias e sete horas. Os minutos entraram no desespero do hospital, na cama, da UTI, quando foi encontrada no chão de terra em Carapicuíba, na Estrada Terra Rocha. Sílvia recobrou a consciência, do som do leito, no Hospital Geral, e voltou a acordar de si mesma cinco dias após, restabelecida, braço imobilizado, hematomas salientes, lábios saturados, dentes desfeitos permanentemente. Mais dois dias teria alta e antes de sair deu depoimento ao Sérgio, da equipe de investigação:

- A gente se conheceu no Morola, um bar em Perdizes, em São Paulo. Início de balada, umas dez da noite. Ele era uma pessoa bonita, muito bonita. Não foi a primeira vez que saí com estranhos na balada. Mas vai ser a última. Umas cinco da manhã fomos juntos. Dei tchau a Raquel e a Paula. Entrei no seu carro. Não posso dizer que estava bêbada, mas quando entrei no carro, apaguei e deixe o Rogério me levar, e não reparei que fui para Carapicuíba. Era um sítio. Só mesmo aqueles sons de mato, de quando vamos para o sítio. Ele desligou o carro e apagou o farol; desceu. Eu abri a porta. Quando saí, senti um tapa forte no ouvido, sem entender nada. Juro que imaginei que sonhava, que uma árvore caiu em mim. Fui direto para o chão. Parecia um som que dilatava no ritmo do meu coração. Então, tomei mais chutes na cabeça e na barriga. Foi quando não me lembro mais nada, senão amarrada numa cadeira. Passei a língua na boca. Meus dentes quebrados. Ele estava sentado, olhando para suas mãos. Ele as abria e fechava, numa frequência lenta. Eu perguntei o que estava acontecendo. Ele me olhou. Um cabo de rodo ao lado dele, no chão, foi que quebrou meu braço direito. Ele se ergueu e do chão pegou o rodo. A um passo de mim, levantou e bateu de uma vez. Ouvi o estalar de ambos, do cabo e de meus ossos. Eu não entendi nada, doutor. Ele não sorria, nem falava nada.

- Se lembra quantos dias ficou lá?

- A partir do segundo, não tinha mais consciência de mim mesma. Era torturada ao longo da noite. Pela manhã, ele parava e saía. Me deixava uma garrafa de água de dois litros em cima de uma mesa com um canudo próximo da minha boca. Eu bebia a água o dia inteiro. Não sentia dor, doutor. Não sentia dor. Parecia que sonhava.

- Como escapou?

- Eu o matei.

- Como?

- Uma faca.

- Explica.

- Os dias iam deixando as cordas mais frouxas. Tentei escapar antes de ele chegar. Mas foi quando ouvi o carro que consegui soltar-me dos laços. Esse braço esquerdo inútil. Saí da cadeira, quase arrastando e fui na cozinha. Uma faca de cabo marrom de madeira, pequena, mas afiada e pontiaguda. Voltei correndo, o mais rápido que pude, para sentar na cadeira. Tentei jogar as cordas de qualquer jeito para fingir presa. Ele entrou, acendeu a luz e me viu, cabeça baixa. Chegou perto de mim. Me segurou pelos cabelos. Então a corda caiu. Ele sorriu feito o capeta e me deu dois tapas na cara. Minhas mãos para trás. Não sabia com usar a faca, nem quando usar. Ele me chutou no peito e fui cair cadeira abaixo, de costas, e a faca na minha mão direita, escondi no peito. Eu pedi água, água, água. Ele me trouxe água e jogou na minha cabeça. Água, eu insistia. Quando ele tentou levantar minha cabeça e me colocar água na boca, com a mão direita enfiei com todas as forças a faca no peito dele, e seu sague se misturou com o meu. No mesmo momento ele ficou branco e desabou em cima de mim. Consegui tirá-lo de cima. Tentei rastejar. Mas a realidade caiu de vez sobre mim. Apaguei. Instantes depois, eu desperto. Olho para a cena. Vem então o primeiro sorriso dele quando nos conhecemos até aquele momento. Uni qualquer possível força e caminhei, caminhei, caminhei até uma estrada. Me lembro de quando ainda tive uma pequena recordação no quarto do hospital até dois dias atrás.

- Sua história está envolvente. Há apenas um detalhe. O Rogério não morreu. Além de não ter morrido, a casa dele em Carapicuíba é monitorada por câmeras e sua história é imaginativa, mas não diz nada do que aconteceu mas imagens. Na verdade, você vai sair daqui direto para a Penitenciária Feminina, e ao longo da investigação você e seu advogado terão acesso a tudo.

- Bem, ao menos eu tentei.