terça-feira, 27 de outubro de 2015

"É inocente. Sonhador ainda."

Em 1995 entrei pela segunda vez em uma sala de aula como professor, no CEIP, Itaim Paulista. Fazia frio e usava toca.

Crer é criar aproximação. Ódio é criar justificativas preconceituosas para afastar-se sempre. A toca era um pano, que revestia minha cabeça e me aproximava dos alunos. Sem ter consciência, rapidamente tornei-me um professor popular. Exaltado. Elogiado. Querido pelos alunos. Para a escola, não. E, claro, não pela toca. A toca era para o frio. As palavras que saiam de minha boca, aos 21 anos, eram vida. E os alunos gostam disto. De viver. De palavras de vida. Eu acreditava na aproximação.

Lembra-me de que toda sexta-feira - e outros dias da semana - os alunos eram dispensados do CEIP entre as 20:00 e 20:30. Logo após a primeira aula (quando havia!). Na minha inocência, usando toca, achava que alunos dispensados, professores livres para ir para casa, porque a existência do professor é vinculada à do aluno. Sem os ouvidos não há música. O que serviria minha toca na sala dos professores? Cada qual já tinha sua vida.

Claro que diante daquela regularidade de ficarem livre dos alunos, eu discuti feio com a Diretora - uma japonesa sem maldade no coração, mas acomodada e viciada:

- Não tem alunos! O que vou fazer aqui? - eu disse na sala dela

- Tem que cumprir o horário.

- Meu compromisso é com os alunos. Então tragam eles de volta para eu ir trabalhar.

- Você não entende nada de como as coisas funcionam aqui na educação. É inocente ainda. É muito sonhador.

- Sonhador? Mas triste é que seus filhos estudam no Objetivo e um dia eu terei de dar aulas para eles lá.

Ela silenciou. Isto em 1995.

Dito e feito. Em 1997 comecei a trabalhar no Objetivo. Dificilmente, diretores e vice-diretores de escola pública deixam seus filhos estudarem na própria escola pública. O nível da educação reflete o ânimo da maioria dos profissionais que estão lá, naquele contexto. Todos sabem que são raros os que trabalham com a aproximação devida. Os demais professores e diretores cumprem horário. Sem alunos, é melhor ainda. Menos desgaste.

Aguentar o ambiente na escola pública virou uma profissão, com metodologia e estratégia. Tem que saber como se relacionar. Tem que saber como se envolver. Tem que saber aturar os vícios inconscientes dos agentes escolares. Porque estão de fato viciadas, alienadas, imersas naquela realidade sem pensar na relação Educação x Professor x Aluno x Sociedade.

Os acomodados julgam as novidades experimentalismo. Diferentes perspectivas são um laboratório de testes e os alunos cobaias. É tão contraditório porque "alienação" e "ideologismo" é a mesma coisa, só que os primeiros são noveleiros globais e os segundos são os concursados que fazem pós-graduação à distância pela USP, com discurso de professor e não para tocar o coração dos alunos. “É tudo animal estes alunos!” Quem lá nunca ouviu isto?

Sou irritantemente otimista. Quando tenho a oportunidade, faço viver o otimismo no coração de meus alunos. Crer é aproximar. Com ou sem toca. Fazer é silenciar e trabalhar. E quando sair palavras da nossa boca, que saiam cheio de vida. Vida sempre. Ainda que a angústia, a tristeza e o desânimo batam à porta ao ouvir da boca de um professor "é tudo animal!"

Vida nas Memórias (micro-conto)

Vida nas memórias

- Amanheça sempre com um sorriso, disse a avó no leito de seu quarto, sentindo rapidamente os sintomas. O sorriso sempre será a melhor maquiagem da sua vida.

A neta deixou escorrer uma lágrima no olho direito. Então do esquerdo. Em segundos, dos dois. Não soluçava. Engolia a fala. Chorou.

- A vida, continuava a avó apertando a mão da neta, espera de você um agradecimeto. Lá na frente ela pode pedir suas memórias. E de memórias criamos nossa história. Amanheça com um sorriso.

A neta forçou um sim, mas não conseguiu terminar. Chorava. E sorriu. Pensou nos últimos anos. No que fez. Como seria daqui para frente?

- Daqui para frente, lendo a mente da neta, seus caminhos estarão livres, e você fez o que tinha que ser feito. Obrigado. Você está chorando?, suspeitou a avó.

Cega há 3 anos, debilitada há 2, em uma cama imóvel há 1, a avó perguntou novamente:

- Você chora, minha neta?

A neta não respondeu. Amava muito a avó. Não queria. Com o copo ainda nas mãos, o líquido começou a fazer efeito definitivo. Cianureto. Indicação da avó, médica aposentada, com 89 anos

- Acorde sempre com um sorriso, e viva a sua vida, minha neta. Prolongue seus dias com amor. Suas memórias farão de você uma pessoa feliz. Cultive o amor. Cultive o bem. Eu tive a melhor vida que uma ser humano poderia ter. Estou em paz.

E, sem conseguir mais falar, lançou seu último expiro aliviada e feliz.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Um homem. Duas criança. Domingo.

Um homem. Duas crianças meninas. Duas sacolas de plástico. Luz amarela. Rua sem movimento. Fim de domingo. Uma delas na carcunda do homem. A outra atrás. Possivelmente o pai. Aquele perfil de pai que ama. Andava no ritmo das crianças. Porque quem ama, vai no ritmo do amor. Ou melhor, caminha no limite do amor. Passaram por mim. Curiosamente a pequena foi colocada ao chão. Para caminhar ainda mais lentamente. E deu a mão ao homem. Domingo à noite. Por isto eu amo a segunda. Domingo tem tudo para sempre cheirar a família. Por que amo segundas-feiras? Porque é dia de agradecimento. Se a farra começa na sexta à noite, a cada segunda começamos a viver novamente. O pai. As filhas. Todos que amam... Porque quem ama cuida daquilo que inclusive é da pessoa amada. Quando meu filho caçula me diz:

- Não quero descer. Quero ficar com você.

Eu penso em cuidar de mim mesmo. Porque eu o amo. Como o pai de agora, no breu da rua amarela. Possivelmente voltando e indo. Seus descansos. Que Deus esteja com eles em particular. E com todos de modo geral.

domingo, 4 de outubro de 2015

Quando Amar é Realmente Bom

Amar é algo bom. Gosto muito do amor. Ele aproxima. A vida conecta sentimentos. Nos libertamos do mundo exterior. Por isto que, se for amar, não pense em sua carência. Ela vai sufocar todo seu amor. E não será feliz e nem fará feliz. Seja íntimo de fazer intimidades do tipo cólica ou mesmo um imprevisto pum. Particularmente, eu tenho vergonha. Tenho vergonha de minha intimidade. A paixão, no entanto, cresce ao perdoar nossas vergonhas. Quem não sente algumas? E amamos mais no perdão, não é verdade? Não ao perdoarmos, mas ao sermos perdoados, porque seremos tratados como humanos, seremos queridos pela consciência de que a vida não se congela em um selfie esteticamente vislumbrante. A pausa dos segundos que antecedem a foto é uma perspectiva do que seremos e queremos ser. Se formos bem, nossa imagem nos agradará e amaremos ser vistos. Mas apenas uma imagem. Gosto de amar por isto. Não se ama algo parado, congelado, estático, sem vida. No fundo, precisamos daquela vida imperfeita. Precisamos que nos façam sentir intensa e amorosamente vivos na vulnerabilidade da imperfeição. A fraqueza da vontade da entrega gera o verdadeiro amor. Já amei a carne, já amei a beleza, já amei a essência. Hoje amo a entrega. Não aquela total. A entrega da intimidade do que nos faz feliz. Sou contra a carência. Ela destroi. Sou pró o amor: ele edifica. Sou crente no sacrifício: somente ele justifica o amor. De resto, é ser sincero com o que de verdade precisamos. Eu preciso de meus filhos porque os amo. Sinto que me sacrificarei por eles sempre. Ah, e eles sabem disto. Mas amar não anula o sacrifício. Ele o completa. Fora isto, é um pouco amor adolescente. Não querer se sentir sozinho na festa. O amor maduro sabe muito bem o que significa "antes completamente sozinho do que uma companhia que o lembra se vale à pena tanto gasto de energia por uma companhia." Sim. Amar faz bem. Amar quem sabe o sentido real do amor vale à pena? Somente os fortes entenderão. Não é fácil. Creio sim que não é para quem apenas pensa no amor como o eu-feliz. Amar o outro-feliz. O outro muito feliz. Reciprocamente.