Em 1995 entrei pela segunda vez em uma sala de aula como professor, no CEIP, Itaim Paulista. Fazia frio e usava toca.
Crer é criar aproximação. Ódio é criar justificativas preconceituosas para afastar-se sempre. A toca era um pano, que revestia minha cabeça e me aproximava dos alunos. Sem ter consciência, rapidamente tornei-me um professor popular. Exaltado. Elogiado. Querido pelos alunos. Para a escola, não. E, claro, não pela toca. A toca era para o frio. As palavras que saiam de minha boca, aos 21 anos, eram vida. E os alunos gostam disto. De viver. De palavras de vida. Eu acreditava na aproximação.
Lembra-me de que toda sexta-feira - e outros dias da semana - os alunos eram dispensados do CEIP entre as 20:00 e 20:30. Logo após a primeira aula (quando havia!). Na minha inocência, usando toca, achava que alunos dispensados, professores livres para ir para casa, porque a existência do professor é vinculada à do aluno. Sem os ouvidos não há música. O que serviria minha toca na sala dos professores? Cada qual já tinha sua vida.
Claro que diante daquela regularidade de ficarem livre dos alunos, eu discuti feio com a Diretora - uma japonesa sem maldade no coração, mas acomodada e viciada:
- Não tem alunos! O que vou fazer aqui? - eu disse na sala dela
- Tem que cumprir o horário.
- Meu compromisso é com os alunos. Então tragam eles de volta para eu ir trabalhar.
- Você não entende nada de como as coisas funcionam aqui na educação. É inocente ainda. É muito sonhador.
- Sonhador? Mas triste é que seus filhos estudam no Objetivo e um dia eu terei de dar aulas para eles lá.
Ela silenciou. Isto em 1995.
Dito e feito. Em 1997 comecei a trabalhar no Objetivo. Dificilmente, diretores e vice-diretores de escola pública deixam seus filhos estudarem na própria escola pública. O nível da educação reflete o ânimo da maioria dos profissionais que estão lá, naquele contexto. Todos sabem que são raros os que trabalham com a aproximação devida. Os demais professores e diretores cumprem horário. Sem alunos, é melhor ainda. Menos desgaste.
Aguentar o ambiente na escola pública virou uma profissão, com metodologia e estratégia. Tem que saber como se relacionar. Tem que saber como se envolver. Tem que saber aturar os vícios inconscientes dos agentes escolares. Porque estão de fato viciadas, alienadas, imersas naquela realidade sem pensar na relação Educação x Professor x Aluno x Sociedade.
Os acomodados julgam as novidades experimentalismo. Diferentes perspectivas são um laboratório de testes e os alunos cobaias. É tão contraditório porque "alienação" e "ideologismo" é a mesma coisa, só que os primeiros são noveleiros globais e os segundos são os concursados que fazem pós-graduação à distância pela USP, com discurso de professor e não para tocar o coração dos alunos. “É tudo animal estes alunos!” Quem lá nunca ouviu isto?
Sou irritantemente otimista. Quando tenho a oportunidade, faço viver o otimismo no coração de meus alunos. Crer é aproximar. Com ou sem toca. Fazer é silenciar e trabalhar. E quando sair palavras da nossa boca, que saiam cheio de vida. Vida sempre. Ainda que a angústia, a tristeza e o desânimo batam à porta ao ouvir da boca de um professor "é tudo animal!"