Despertei com a ventania noroeste, que faz um barulho de filme de terror e logo em seguida voltei meus pensamentos para A. Antes de dormir, ainda escrevi à parte, no Facebook:
"Voltar a sentir amor romântico por alguém é muito encorajador. Não temos olhos cobiçosos por mais ninguém, senão por ela. Na minha idade, quero apenas resgatar os sofridos anos de quando tremia só de pensar em minha paixão na adolescência. Não acreditava que poderia retomar, com a minha maturidade e experiência, esta suspensão da razão em favor de querer alguém. Ninguém saberá quem, e estará aqui comigo em segredo. Espero que nem ela desconfie. As pessoas não entendem que quem mais ganha no amor romântico é o amador do que a pessoa amada. Eu sou o amador. Ela é a pessoa amada. Sinto o mundo mais rico, e com mais vontade posso ter mais energia, o que envolve ser mais vaidoso e ambicioso. De quebra, jamais estarei só. No meu caso, ela me acompanhará em pensamentos e em desejo por muitos lugares. Eu não me iludo. Fico satisfeito e deixarei crescer.
À minha doce e secreta amada, minha vontade de você, de seu incognito quase apaixonado escritor."
Foi em forma de carta para mim mesmo, e confesso influência do filme Minha Amada Imortal, que narra as possíveis razões de Beethoven ter escrito aquelas suas palavras. Que filme instigante! Eu li as duas ou três caras de Beethoven num livro que tenho. Ele começa com ", meu amor, minha vida, meu tudo" para sua amada imortal. Minha A. logo poderá ser a minha amada imortal eterna enquanto durar meu amor por ela, semelhantes a outros amores que nos seduziram para a verdade da vida e foram aplacados diante da consciência da ilusão que vivíamos, porque tudo o que de belo naquele amor anterior (todos os que já sentimoa um dia na vida) havia enfraquecido e sobrado pequenos fragmentos de toda ilusão da paixão. A. me desperta o início de uma paixão inteira e intensa. Momento divinamente sagrado para quem escreve. O otimismo toma conta de minha mente, feito droga eufórica, por causa do amor que venho sentindo. Pratico meu esporte com mais entusiasmo, leio muito com mais prazer de quem anda em paz pelo amor de um dia beijá-la, abraçá-la, mimá-la, encantá-la. Por mais que admita para mim mesmo que eu sonho este amor, mas é um sonho por verdade como tantos sonhos desperdiçados que queríamos reais. Somente não foram de fato reais nossos sonhos porque voltamos à vigília e o que era bom retomou a realidade com os olhos despertos. Sonho acordado com A., mesmo sabendo que ela esteja em alguns outros braços neste momento de madrugada, sendo beijada, abraçada, possuída por um amante qualquer, para seu próprio bem-estar emocional de encontrar seu corpo no toque alheio. Se assim for e sem amor e afeto, apenas pelo prazer em si, ela permanece em meu coração, porquanto respeito seus impulsos e pulsões de desejar e ser desejada. Eu a quero feliz. Se ela estiver gostando de alguém, terei ciúme, mas insistirei em gostar dela e não vou reprimir meus sentimentos. Afinal, se eu gosto dela, e a gostaria para mim é para fazer parte de sua felicidade. A maturidade ensina a viver feliz, a fazer feliz, a querer ser feliz, a evitar aborrecimento para ser feliz, a evitar aborrecimento para o outro. Tenho comigo uma voz de quem lê esta narrativa intimista indagando mas "por que diabos eu não tento ao menos provocar em A. qualquer coisa que a faça saber que eu existo com o olhar de quem está gostando?". A resposta é simplesmente medo de aborrecê-la. Ninguém tem que saber algo que pode somente aborrecer. Tivesse eu certeza de que ela se envaideceria, neste exato momento confessaria "A., eu acho que estou gostando de você, do tipo que olha nos seus olhos e imagina o quanto a maternidade seria linda em seu ventre, e o pai fosse eu." Ah, como minha investida seria pesada, inquietante, perturbadora. Não sou do tipo "vamos tomar uma cerveja qualquer hora?", "nossa, como cê tá gata?", "se me desse uma chance, eu te conquistaria". Já disse que se eu tomar um fora, paro a narrativa porque serei obrigado a esquecê-la. Todos os terapeutas afirmam que para lutar contra uma emoção tem que se colocar uma emoção equivalente no mesmo lugar. Bem, não vejo ninguém equivalente à A. no que diz respeito ao que sinto, e também não quero esquecê-la já que vem me fazendo muito bem. Aliás, o vento cessou, e com ele o barulho que me acordou. O silêncio onde moro é tal que ouço quase um nada de bicho, tanto que parece que meus pensamentos conversam alto comigo. Vou dormir. Vou sonhar algum sonho. Vou deixar acontecer. Vou voltar a amar e provavelmente sofrer pela A. Se um filósofo escreveu que viver é sofrer, é porque ele não deve ter amado em vida como amarei A. Os filósofos são coitados. Devemos ter dó deles. Antes de A., eu vivia minha fase filosófica na vida - a mais intensa de minha existência. Graças a A., volto a amar, a viver, a sentir, a colorir, a florir, a acreditar. Amanhã eu a verei no trabalho. Matarei minha saudade de saber que ela existe, que ela é real. Em mim, então, mais amor crescerá. Ela me faz mais apaixonado.