sábado, 29 de setembro de 2018

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Se me diz amor em mistério,
Sem mistério é seu coração.
Iludo-me, exausto, da vida?
Talvez, mas aceito, e acolho,
Porque o amor diz-me segredos.
Vivi tantos e quantos sonhos,
Que não sonho mais a ilusão.
Gosto segredo revelado,
Aquele dos olhos molhados,
Sem lágrimas, trêmulos os lábios,
Tremem mãos e peito apertado.
Suspeita de ser bela amada?
Quero-lhe linda poesia,
Que a beleza diz o infinito.
Respire, respire ofegante.
Quem bate à porta o amor?
Desejo de ser em verdade,
Porque viver é ser feliz.
Poesias e doces poemas
Por mim, mãos inquietas, escritas.
Você, suave inspiração,
Que o tempo é amigo da dor
P'ra quem ama, e sozinho acorda.
Se traz para mim seu mistério,
Decido ficar sem temor,
Aqui p'ra colher doces frutos,
E em resposta dou-lhe o prazer
De saber, com arte, amar.
Do amigo renasce a vontade,
Que do amigo o sonho aparece,
Que pode tocar lábios seus.
Quem sabe ser enamorados,
Porque felizes merecemos
Viver p'ra sentir um ao outro,
Deixar o carinho crescer.
Somos para o mundo pequenos,
O que é ser grande p'ro mundo?
É amar com desejo eterno
Descobrir grande felicidade,
Fazer da amizade a verdade?
Creio em alma feliz pela vida,
Na paz, duas almas amantes.
Creio no carinho, respeito,
Na entrega ao outro amante.
Um coloca sem o outro tirar,
O sorriso o amor se revela,
Espero poder partilhar,
Com belas e ricas palavras,
E gestos, verdades, carinhos.

(Flavio Notaroberto)

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Escola Feliz, todos felizes

O que é consciência? Podemos dizer que há dois tipo de consciência. A primeira é a consciência experimentada, do tipo o corpo sentir diretamente na mente a experiência de uma vivência. Dá-se o nome de qualia (plural de quale). A segunda consciência é a mente saber tudo sobre a experiência, mas não sentir diretamente na mente. Sobre este último, um bom exemplo é um médico cardiologista, que nunca teve problemas no seu próprio coração e, portanto, não experienciou na própria mente a consciência de um infarto. Ela sabe intelectualmente tudo sobre o funcionamento do coração e os sintomas dos infartados, mesmo que não tenha passado por isso. Em outras palavras, ele tem consciência, sem quale, sem experiência. Já as qualia é o self experienciando diretamente na mente. Viagens é o exemplo mais interessante. Hoje se aprende muito sobre tantas partes e cultura do planeta virtualmente, sem viajar. Podemos aprender praticamente tudo a respeito do mundo. Eu mesmo descrevi Rio Branco, no meu livro Miguelito, sem ter jamais conversado com um riobranquence e ido lá. Pesquisei Google Maps para ver detalhes das ruas etc. Parece que eu conheço bem o lugar. Mas sem qualia. Viajar para sentir com o próprio olhar a Torre Eiffel, e todo vislumbramento de Paris, saborar na Grécia a culinária mediterrânia, um pit em pub in loco em Londres, a aurora boreal nos países nórdicos etc. Esta experiência direta é o self experienciando na mente. Mais do que adquirir conhecimento, ele criou redes neurais que envolvem emoções, sensações e memórias. Estou  citando a Europa para um breve tour mental, mas o mundo pode ser a experiência. Eu, que nunca viajei para o exterior, posso usar todas as palavras para descrever o que é o exterior, mas nunca darei a minha verdade de ter sentido na mente meu olhar pessoal admirando as Pirâmides do Egito. Se o consolo basta, Machado de Assis nunca saiu da cidade carioca (com duas ou três exceções), e seus textos nos enganam muito. Então, consciência é, primeiro, ter a experiência direta do ardido da pimenta, e/ou, em segundo, conhecer tudo biológica e quimicamente do processo de ardência da pimenta sem jamais ter experienciado a pimenta. Há médicos que talvez nunca tomaram heroína e conhecem tudo a respeito desta droga e seus efeitos no corpo humano. Ele tem consciência de heroína, sem qualia. Escrevo pensando em nosso sistema educacional básico no Brasil, que é moldado em adquirir conhecimento, sem qualia. Eu me lembro de uma escola particular em que eu dei aula. Eu falava sobre mitologia grega, sobre a Grécia, e um aluno foi me falando que conheceu Parthenon etc. Ele tinha as qualia. Eu somente a palavra e a cara de paisagem. A grande exceção na educação básica é a Língua Portuguesa, porque alunos e alunas falam a língua portuguesa, que se estuda na sala de aula. A maior dificuldade em especial nesta matéria é fazê-los perceber que eles já possuem dentro de si a expiência do idioma. Não se ensina língua portuguesa para nativos em português. Aprimora-se a norma-padrão e pode-se experienciar a arte da literatura, que aí sim é um nível maior de ensino. Laborarório para Ciência, Biologia, Física, Química, Matemática é uma boa forma de os alunos terem consciência do que se aprende, de primeira ordem, ou seja, com qualia, diretamente na mente. Estudos in loco de Geografia e História também, ainda que História é o estudo essencialmente memorial, porque é a reconstrução do que somos culturalmente com o olhar no que éramos. Está aí uma boa reflexão para mim, em termos de deixar uma escola bem mais agradável, envolvente, feliz e interessante. Tentar mais experiências diretamente, que é o que o professor Lucas, por exemplo, busca fazer. Eu tenho admirado todos estes projetos porque sei que sou um professor conteudista. Mas tenho revisado esta minha verdade, e toda revisão é uma busca de adaptação para melhor. Neste sentido que aperta o coração a situação da condição da escola. Tantos modos de ensinar tão ricos, cheios de vontade e competência, porém com obstáculos estruturais, que inibem vontades. Como é obrigatório os alunos passarem pela escola, teríamos muito menos stress emocional se a prática fosse a regra e os conceitos sem qualia as exceções. Estou sendo bem específico entre os 6° e 9° anos, que é uma fase que dá para agregar demais. Alunos e alunas estão em formação. Todas as experiências são quase que aceitas. Alunos felizes e escola feliz, professores igualmente felizes. Ao menos em termos pedagógicos.

Prof. Flavio

sábado, 22 de setembro de 2018

Ficar velho. Ficar jovem

Quando olho para meus filhos de 18, 16 e 11 anos, vejo a mim mesmo o homem de 44 anos, envelhecendo, insistindo na vida visivelmente desgastada.

Por outro lado, quando olho para meus livros, meus textos, meus estudos, encontro uma outra inspiração dentro de mim, que nega o envelhecimento, rejuvenescendo-me, e mais ânimo me contagia como se eu fosse esperançoso sonhador.

Neste estado de euforia, eu resgato um dos momentos mais mágicos de minha vida, quando me descobri com potencial para pensar a realidade do mundo, e me encantei quando percebi que eu existia e tinha muito potencial para aprender. Eu estava com 18 anos e cursava o 2° ano do ensino médio, em um dos colégios particulares mais puxados de SP. Foi numa aula de História. O professor Alves, dono da escola, malufista. Eu fui contra eleger Maluf em 1992 para prefeito e entramos em discussão ideológica. Não cedi. Debatia ideias livremente.

Pela primeira vez eu pude sentir meu pensamento livre para criticar o mundo sem medo, e não apenas reproduzir mecanicamente discursos ideológicos e ideias alheias sem assimilar o que falava.

Causou-me esquisitice deixar de ser ingênio e ter de ponderar todas as possíveis consequências dos meus atos para a minha vida e para a vida das pessoas. Tão jovem e já um filósofo em potencial.

Esta descoberta teve um preço alto, quase fatal, porque me apresentou a depressão, dos 18 aos 22. Quatro anos tortuosos, que  depois de superada, eu canalizei cada dor sentida e desespero vivido na alma para o bem. A dor do ser humano passou a não ser mais segredo para mim. Não somente a dor. A mente humana se abria claramente. Escrever foi refletir a minha compreensão.

Sem saber, hoje existem estudos chamados Teoria da Mente, que é a mente tentando entender para antecipar as intenções de outra (muito comum nos jogos de disputas manipulatórias em grandes empresas, na política, entre advogados, no poker etc). Depois aprendi a sorrir para as pessoas e tornei-me candidamente positivo. Candidamente, referente ao personagem Cândido, do livro de Voltaire.

Depois da maravilha de pensar, a outra maravilha foi descobrir ser pai. Talvez o sentimento que mais me arrebata a cada momento de minha vida. Lembrar todos os dias a eles de que os amo e que quero ser um abre-alas para eles. Muito me inspira. Ser professor é uma mistura entre o pai e o filósofo, que sou, tanto técnica quanto amadoramente. O amadurecimento me fez ser mais feliz e creio que nossos jovens - paralelamente à reflexão - precisam rir. Gosto de fazer rir.

Ultimamente acredito no sorriso como irmão gêmeo do medo, mas que, ao invés de oprimir, liberta. O medo e o riso tem o mesmo princípio. Se não bota fé, relembre as "pegadinhas" do Sílvio Santos.

Este ano lanço mais um livro, Miguelito: Memórias e já possuo cinco na fila para terminar e tentar publicar ao menos um por ano. Mas quem sabe dois por ano? É a minha juventude em ação. Nada de parar a vida. Parafraseando Clarice Lispector, quem para morre; quem pensa em parar está morrendo sem saber.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

O amor volta

Então o amor volta
Com a forçar de sofrer.
Desejamos a paz.
Ele nos presenteia a dor.
A dor que criamos por desejar.
Ela, a amada, em pensamentos
Que silenciam ações e desejos
Que não sejam com ela.
Eu a quero para mim,
E quero perder-me nela.
Quero-a para não perder-me.
Noites aflitas na solidão,
Que o fim de quem ama, poeta.
Se gosto de amar,
O sofrer me cai muito bem.
Não sei se o estado amante
Purifica-me a arrogância
Que me seguia os dias.
Sei que agora vou sofrer.
Uma alma boa que sente
Mais beleza do que escuridão.
Terei de aprender.
Aprender a olhar nublado.
Não sei se quero mesmo
A prisão que já encontro.
Sei que estou amando.
Ao menos vivo outrora.
Reconstruo-me nas palavras
Porque quem ama, vive.
Quem ama, persiste.
Quem persiste, sofre.

Quem sofre, existe

E na existência, purifica-se.

Amar é purificar-se.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

O belo nela - poema

O belo nela enaltece

Vontade, cheia de amor, pede
Minha triste alma p'ra alcançar;
Que o belo nela enaltece
E juro, para mim mesmo, olhar

Seus olhos, os dela, que amo,
Sem esconder de mim p'ra ela,
Sem saber a solidão como
Vivo, sem remos, um barco a vela,

Solto, infindo mar, em bonança.
Ela me vive solitário.
Ela me revive em criança.
Ela devolve o meu contrário,

Que do sofrer feliz me torna,
Que do morrer viver me faz,
Que do sonhar real demora,
E por fim em mim vive a paz.

domingo, 16 de setembro de 2018

Peça

Assisti a uma peça ontem sobre uma época próxima que eu não vivi. Década de 60, 70. Por meio de um musical. Simples, sem grande produção, mas intensa. Havia 20 na plateia, que cabia 150. Rua Augusta agitada. O ator principal se chama Ciro Barcelos, que é famoso no meio, há muitos anos. Entre ele, quatro jovens atores. Eu gosto de teatro e ao mesmo tempo não gosto. Se eu fico sem, não vejo a hora de ir. Se vou, saio de lá com a sensação de que faltou muita coisa. Raramente saio safisfeito. Nesta produção, eu fiquei satisfeito. Eu assisti, na verdade, um belo depoimento, por meio da arte, da vida pessoal de uma época que paradoxalmente havia mais coragem do que a de meus filhos. Estes anos que hoje testemunhamos pertencem à geração que vem. Vejo desta forma porque temos que pensar em nós também, nossa vida pessoal, nossos planos, que inclui realizar o que nos faz essencialmente feliz. O sonho é eterno em quem se ilude, tipicamente as verdades dos jovens. No palco, Ciro Barcelos, sobre quem nunca ouvi falar, e quatro atores, com idade para serem os netos dele. Ciro Barcelos vivei a tropicália, com canção dedicada a ele por Caetano, e conheceu todos os ícones daquela época, com uma intimidade de invejar. Na Europa, em exílio, com o grupo Dzi Croquettes, foi assistido pela nata artística da época em Paris. Ele passava de ano em ano, de quando fugiu de casa com Maria

domingo, 9 de setembro de 2018

Sermos Felizes 🤗😄😂😁

As pessoas querem ser felizes. Amigos e amigas, conhecidos e conhecidas, afetos e desafetos. Todos querem ser felizes. Antes de falar sobre o que penso em ser feliz, devo citar Aristóteles e o seu livro A Política, que faz o tratado a respeito do melhor governo possível, mas antes o filósofo grego chega à conclusão de que a fanalidade de nossas ações é a felicidade. A finalidade da pessoa, da família e por fim da sociedade é a felicidade.

Vejo amigos buscando sua felicidade em religião, na arte, nas distrações da mente, que são quase que ilimitadas. Uma conhecida, que não vejo há muito tempo, me agradeceu por uma reflexão que eu escrevi sobre o tema suicídio. Ela, que busca a sua própria felicidade, me abriu a curiosidade de skaltear o Instagram dela e ver o que de feliz se me aparecia. O que me chamou a atenção foi um par de fotos meditativas, com trajes indianos, com aquela marquinha no centro da testa, roupas exóticas e coloridas. Havia algo de felicidade. Assombrou-me a descoberta da felicidade dela.

Antes de especular o que é ser feliz e a plenitude que envolve a felicidade, conclui que somente é feliz quem busca a felicidade, quem busca eternamente a felicidade, quem vive a vida buscando a felicidade. Sei que não basta a paz para a felicidade. Ainda que pessoalmente eu creia que não existe a felicidade, creio no estado de felicidade. Ora, é a busca este estado, como um livro que se lê, um livro sem fim, sem a última página. A felicidade é esta busca.

Quem diz que encontrou a felicidade, devemos crer, porque a busca nos traz ocupação com nosso próprio destino neste mundo. Por esta razão, não penso no encontro da felicidade. Penso na contante busca da felicidade. Como a minha amiga, que me agradeceu pelas breves palavras que escrevi. O tema suicídio é tóxico e cruel, ainda que real e lamentavelmente próximo. Viver é a constante busca. Minha conhecida, meus amigos, eu, todos nós seremos felizes na busca da felicidade e não necessáriamente ao achá-la. Simplesmente porque parece impossível um estado constante de êxtase, sem que seja ironicamente desajuste emocional. Me encanta viver transidando com sentidos mais abertos para esta viagem. Esta amiga conhecida é jovem. Ela tem muito tempo. Todos tempo. Na ausência deste, o que somos? Dentro do tempo precisamos ser algo. Este o segredo. Buscar sempre.

Suicídio

Algumas circunstâncias e bate-papos me levam à releitura de algo que havia lido há um tempo. Desta vez foi do capítulo Suicídio (foto), do livro O Demônio do Meio-Dia, de Andrew Solomon, que faz um raio-x e uma análise profunda sobre a doença psicológica e neurológica chamada Depressão. No livro inteiro o tema depressão é abordado. Desde seu depoimento pessoal, portador da doença depressão, a tratamentos medicamentosos - ironicamente seu pai trabalhava em laboratório de medicamentos -, passando pela história da depressão e pela evolução da depressão, no sentido darwiniano, como a questão "Se a depressão é contra a vida, por que se manteve nos indivíduos, na evolução das espécies?" Bem, há um consenso de que a melancolia foi necessária para pacificar os indivíduos e manter o bando e a tribo unida, e a melancolia evoluiu para Depressão. O capítulo 7, Suicídio, porém, mereceria um livro à parte, porque destoa do tema central, ainda que o complemente. Para ele, baseado em alguns outros psiquiatras e psicólogos, o suicídio não deveria ser tratado como um sintoma da depressão. Deveria ser classificado como uma doença autônoma, que pode ou não conviver com a depressão, sem ser mero sintona desta. Ele dá o exemplo do alcoólatra depressivo, em que se pode equivocadamente achar que o alcoolismo vem em função da depressão. Hoje alcoolismo é uma dependência química, tratável, e separada da depressão. Solomon traz uma lista de dados muito desconfortantes sobre o suicídio, que podem ser lidos dando um zoom em uma das fotos. Para nós, a reflexão é de alerta. Alerta e monitoramento. O suicídio pode ser dividido em quatro grupos, segundo Solomon: a) os que se suicidam sem pensar; b) os que se suicidam como vingança; c) os que se suicidam por uma lógica falha e alucinante; d) o quarto grupo se suicida racionalmente e de modo assistido, para evitar o sofrimento prolongado de uma doença como o câncer (uma eutanásia). O autor dá o exemplo de sua própria mãe que se suicidou (eutanásia), sob olhar e acompanhamento do marido e filhos, deitada em sua cama, serenamente, ingerindo medicamentos específicos, um a um, que a levaram a um sono profundo e sem volta, depois de tentar - sem sucesso - a cura de um câncer. Quando ela iria entrar em fase terminal e paliativa, o plano do início foi efetivado. Ela morreu, como morreria, sem dor e sem sofrimento sob o literal acompanhando do marido e dos filhos. Ler este capítulo sobre suicídio nos ajuda a refletir sobre os três primeiros grupos dos suicidas. A maioria das pessoas que tiram a própria vida quer uma segunda chance. A maioria quer ser socorrida. O ser humano tem vivido muito tempo, ainda que o pessimista sempre terá a palavra final. Mas não vamos aliviar para o pessimista. Dá para viver com encantos, ou equilibrado. A sociedade dá muita liberdade volitiva à maioria, mas restringe a realização de sua vontade, ainda que a realização de muitas de nossas vontades sejam apegos frágeis e não duradouros, que levam a frustrações e problemas emocionais - na essência, frustração sem autoconsciência é isso. Está aí uma boa indicação de leitura. Reli com prazer e ao mesmo tempo um prazer perturbador. Mesmo assim, vale a pena.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Uma parte de mim

Uma parte de mim diz que se sente ridícula só em pensar em fazer-me voltar a amar como adolescente. A outra parte de mim silencia na maioria das vezes, intimidada pela vergonha de pensar assim, porque é um sacrilégio, uma iconoclastia, um assinte à vida remunciar ao Amor. Tenho minhas desculpas e o equilíbrio é lembrar-me que "eu já vivi". Arremato a experiência de outrora amar com "não preciso mais". Quero dizer que amar cansa com a idade, porque viver cansa o amor. Quem não se cansa de amar, esquece de viver, porque não vive para si. Claro que falo do amor romântico. Se amar na minha idade não fosse como é na juventude vigiar, dar satisfação, fingir indiferença, cobrir carência, tapar buracos que não abrimos; se amar na minha idade fosse essencialmente fidelidade com a reciprocidade, e nada mais, ou seja, troca essencialmente de essências, sem exigir, nem mudar, nem querer nada do outro a não ser a liberdade da pessoa querer estar ao seu lado o momento em que quiser! Falo de um ideal e de uma realidade. Amar a posse é a realidade. Amar dignamente a dor da perda do amoe romântico é o ideal. Falo cansado sobre um assunto que cada dia vou me esquecendo. Aliás, escrevo um romance sobre. Sobre iniciar a amar. Porque já soube como ele se me apresentou. Como um filósofo que espera, deleito-me em aprender porque me traz sentido neste mundo passageiro com quase nenhum sentido.

domingo, 2 de setembro de 2018

Ficar doidão

Ficar doidão é mal. Quem não está acostumado a ficar doidão, o pessoal vê você e fala "é bom de vez em quando". Mesmo assim, ficar doidão, no outro dia, caímo na real que será dos dias mais inúteis de sua vida. Não que você ficou enfermo, mas tem de recupera-se. Você ficou doidão, e mal-estar persiste, junto com as memórias do dia anterior (ou noite) intensificando os nossos autojulgamentos dos possíveis ridículos do tipo "sóbrio eu não faria aquilo". Nem falo de uma consequência "Se Beber Nâo Case". Aliás, neste filme me admira que o despertar deles parece bacana. Dá até vontade de ficar doidão e despertar naquela situação. Eu estava com um primo e ele teve de trazer o carro. Paramos duas vezes na estrada porque eu estava mal. O carro aos 50km/h me desintegrava. Não existia mais corpo e mente juntos a mais de 50km/h. O corpo andava mais lentamente e enquanto a mente dava um pulo na estrada. Minha mão tentando ser as palavras para o motorista andar a 20km/h. Meu primo acelerava. Então eu gemia alto e ele "está bem?". Eu dizia "não" com a cabeça, gemendo. "Quer parar?" Eu "sim" com a cabeça, gemendo. Depois de parar duas vezes, ele não parava mais. O carro ia. Ademais, ele fez o certo em ir nem dar atenção mais. Embora a poucos quilômetros, não chegava. Quando cheguei, doidão, abri a porta do carro. Minhas pernas me chamavam para o chão. Minha consciência suspendia minhas pernas para a vergonha não ficar muito mais alheia. Grato à parede no início. Consegui entrar. Pensava "toma água, toma água, toma água". Tomei uns três copos. Minha tia acordada, quase cinco da manhã. "Que foi, meu filho?". "Doidão, tia!" Ela sorriu e retornou a frase "de vez em quando faz bem". Daí em diante, a cama era um burado sem fundo. Eu culpava meu fígado por ser tão fraco e pedia perdão a ele fazê-lo trabalhar por escolha minha. Eu até ouvia meu fígado dizendo "relaxa!, de vez em quando é bom!". Claro que ironicamente. Quem sentia era a minha mente. Mas o pior de tudo foi não ir jogar futebol de campo hoje. E já que citei memórias linhas atrás, eu ensino que nós não temos memórias propriamente dita. Temos emoções, que criam as memórias. Parece absurdo, mas é este o processo. Tanto que qualquer trauma é uma forme emoção que escondeu a memória no inconsciente, e fica lá arquivada até ser descoberta e a pessoa voltar a ter uma vida mais saudável. Li muita coisa sobre. E dentro desta ideia, certa vez uma aluna me perguntou o que era a depressão. Ela estava no nono ano. Por incrível que pareça, a depressão é instalada na mente da pessoa quando simplesmente ela para de sentir emoção: ausência de amor, ausência de tristeza, ausência de sua capacidade de sentir qualquer emoções na vida. Emoção e sentimentos são duas coisas distintas, mas dependentes. Podemos ficar tristes num filme, que é um sentimento, que veio pela emoção gerada no filme. Está aí o problema da depressão profunda, crônica ou severa. Por não a pessoa nunca sente emoção, logo o sentimento de alegria, tristeza, ódio, euforia nunca é despertado. Algo errado nos envolve o cérebro, porque deixamos de construir novas memórias, e as antigas memórias (por exemplo: a felicidade de viajar para um lugar maravilhoso; nascimento de um filho; passamento de alguém) não nos despertam mais emoções como antes. Falo porque estudei muito sobre, mas também relato em meu segundo livro minha experiência pessoal dos 17 aos 22. Falando em livro, o estudo mais completo sobre depressão é em volume único de mais de mil páginas, chamado O Demônio do Meio-Dia, do psicólogo Andrew Solomon - que o Bial entrevistou semana passada. Bem, por isso que as pessoas falam "de vez em quando é bom ficar doidão", mas só de vez em quando. Estamos de alguma forma transmitindo a ideia de que sentimos emoção que desperta sentimentos e cria memórias. No meu caso, a sensação de constrangimento até de sair da cama e dar um "oi, mãe", "oi, tia", e dar um oi para meu primo. Não tem jeito. Ficar doidão jamais tira de nós a comunicação telepática "que situação, hein?". E insisto em nada a ver com Se Beber Não Case. É mais, se beber, toma muita água, como só fruta e evite o mundo no outro dia.

sábado, 1 de setembro de 2018

Selfies

Eu aprendi a não gostar de selfies. Eu dentro das minhas selfies. Uma que já passou meu momento de fazer bico, ou cara de indiferente, ou pose de feliz, ou qualquer outra forma que me coloca em uma selfie, e o outro motivo é que gosto de ser lido nas minhas reflexões. Eu até tenho bom argumento. Ver uma selfie dura uns 2 segundos. 200 likes em uma selfie, 400 segundos, o que dá uns 7 minutos de visualização e atenção por 200 pessoas. Ler um texto meu exige pelo menos um 5 minutos. Se tiver 5 likes, 25 minutos de atenção por cinco pessoas. Não me refiro à quantidade, nem ao tempo, nem à qualidade. Refiro-me a própria imagem que buscamos de nós mesmos neste mundo. Eu quero a minha imagem do modo como eu a construo naquilo que me faz bem, que tenta fazer bem ao outro. Já não sou mais inocente como Adão antes da maçã. A partir do momento da perda da pureza do olhar, dando lugar à malícia, ou manipulamos as pessoas para nosso interesse, ou marcamos o limite delas sobre nós. Quero ser útil a quem precisa do que eu chamo meus próprios talentos para quem precisa. Escrever e ensinar me resumem no que tenho para contribuir. A partir destes dois, amplio o horizonte de quem precisa de mim nestes meus dois talentos. Estes meus limites. Ou seja, fora do que está relacionado a ler e a aprender, escrever e ensinar, não me sinto bem porque não me sinto eu servindo ao próximo. Não desistirei das selfies quando achar divertido, e houver alguma mensagem implicitamente importante. Disse a uma conhecida de trabalho que ao envelhecer precisamos de lastros, ou algo que nos prenda à vontade pessoal de ser feliz. Beber e dançar, assim como viajar, apreciar todas as artes e festas etc. são escapes essenciais e importantes, mas não são lastros que nos prendem. Jogar futebol, treinar musculação, correr são meus escapes, mas não lastros para a minha vida neste meu momento em que ter razões para viver é crucial para sentir-me bem interiormente. Amar a vida é semelhante a qualquer amor ao longo de nossa existência, que nos enganará em algum momento. A vid definha, assim como qualquer amor que, de alguma forma, um dia partirá...