O chiclete grudou no chinelo.
- Puta que pariu!
João era fiscal sanitário há 17 anos, desde 1970. Ia para praia em São Vicente. Segurava três cadeiras de praia, o guarda-sol, uma esteira de palha. O sol estava forte às dez. João tinha uma careca vermelha. A mãe, as duas irmãs mais velhas, os cinco sobrinhos iam tão lentamente que o que carregava virou chumbo. Não queria descer para o litoral, não queria levar a mãe, nem as irmãs, nem os sobrinhos. Nem queria ir para praia naquele horário, e muito menos levar tudo aquilo nas mãos. E o chiclete querendo grudá-lo no asfalto quente. Olhou lá longe a praia. Bem uns trezentos metros:
- Puta que pariu!, falou alto.
- Olha a boca, menino!
- Desculpa, mãe.
A careca vermelha em brasa.
- Bosta!, sussurou vendo seu boné do Corinthians na cabeça do sobrinho.
- Deixa com ele, João. O menino chora.
E cedeu.
João não casou. Sem filhos. Quarenta anos. Cuidava da mãe; uma das irmãs, separada e mãe de três dos meninos, vivia com ele há quase dois anos. E de repente. Plá! A tira do chinelo estoura!
- Ah, filha da puta!, gritou com o peito cheio.
- Olha a boca, menino!
- Desculpa mãe. Quebrou meu chinelo.
- Vai descalço.
E ele foi descalço. Xingando internamente. O chão queimava. E ia lentamente. Evitava pensar. A dor do chão quente serviu de alívio. Quinze minutos depois, areia quente, sol forte, monta o guarda-sol, as cadeiras, a esteira. Vê as crianças se jogarem na água, a mãe e irmãs sentadas. Passa bronzeador. Sem protetor. E vai para a água também. Demorou lá mais de uma hora. Ora mergulhando, ora boiando, sempre pensando na vida. Nem dava pelos sobrinhos. O mar limpava sua alma. E foi boiando literalmente que ambas as cabeças se chocam.
- Ai, gritou João.
João e Karina. A paz dele meio que desabou. Foi lançar um puta que pariu quando os olhos de Karina o interromperam:
- Desculpa. Machucou?, perguntou ele.
Karina era linda. Nada disse. Na verdade, ela era muda. Sorriso lindo e apaixonante. João sim se apaixonou dali a alguns minutos. Aprendeu como se fala "eu amo você" em sinais quando ela lhe disse em algumas semanas. Se casaram em três meses. Nunca mais disse um único palavrão. Pela ironia do que sempre achava que era a sua limitada vida, Karina trouxe sem querer a voz ao coração de João. E ele nunca mais deixou de falar através do coração. Nunca mais. E nunca também abandonou a mãe e as irmãs e os sobrinhos. Mesmo porque teve filhos nos anos seguintes.