NECESSIDADE DOS ATOS DA VONTADE
Que a vontade como tal seja livre, deriva do fato de que, tal como consideramos a vontade, ela é a
coisa em si, a substância do fenômeno.
Este (fenômeno), como sabemos, é inteiramente submisso ao princípio de razão nas suas QUATRO categorias:
1 - Identidade: Maçã é maçã.
2 - Não contradição: Maçã é maçã e não pode ser ventilador)
3 - Terceiro Excluído: ou você está livre ou não está...ou você está amando ou não está.
4 – Causalidade: tudo o que existe e acontece origina-se de alguma causa, ou seja, deve existir uma razão para sua explicação.)
...e como sabemos também que "ser necessário" é idêntico a "ser efeito duma causa dada", que as duas noções são recíprocas, dai resulta que tudo o que pertence ao fenômeno (da vontade), a
saber, tudo o que é objeto para o sujeito cognoscente (pensante) como indivíduo, constitui a causa por uma parte e, por outra, o efeito, que permanece determinado necessariamente nesta última
qualidade e de nenhum modo pode ser diverso daquilo que é. (Ou seja, a vontade é a vontade; não pode ser outra coisa e ela tem uma causa e um efeito: causa: o ser humano; efeito: realizar a vontade).
Tudo quanto a natureza compreende, o conjunto dos seus fenômenos, é absolutamente
necessário e a necessidade de cada parte, de cada fenômeno, de cada acontecimento pode ser demonstrada em qualquer caso, desde que se possa encontrar a causa de que dependem como
duma conseqüência. (qual a causa de a flor nascer?, qual a causa da água evaporar?).
Isto não oferece exceçôes e resulta da autoridade ilimitada do princípio de razão. Por outro lado, o mundo, em todos os seus fenômenos, é objetividade da vontade, a qual, não sendo ela própria nem fenômeno, nem representação, nem objeto, mas a coisa em si, não está submetida ao princípio de razão que é a forma de qualquer objeto: não é, portanto, o efeito duma causa, não é, por conseguinte, necessária; isto quer dizer que é livre. (A vontade é a maior liberdade possível).
O conceito de LIBERDADE é, portanto, um conceito NEGATIVO, porque contém, unicamente, a negação da necessidade, isto é, a negação da relação de efeito para causa, segundo o princípio de razão. (Ter vontade é ter liberdade; querer ser livre é querer satisfazer a sua vontade). Encontramos aqui, bem pronunciado, o nivelamento dum grande contraste, a união da LIBERDADE com a NECESSIDADE, de que tanto se tem falado nos últimos tempos e sobre o que nada se tem dito, que eu saiba, de claro e de sensato.
Qualquer coisa, como fenômeno, como objeto, é absolutamente necessária: em si, essa é a vontade inteiramente e eternamente livre (ter necessidade é a liberdade de nossa vontade). O fenômeno, o objeto, é necessária e imutavelmente determinado na concatenação (união) das causas e efeitos, que não admite interrupção de sorte
alguma. Mas a existência em geral deste objeto (vontade) e o seu modo de existir, isto é, a Idéia (da vontade) que se manifesta nele, ou, por outras palavras, o seu caráter, é fenômeno imediato da vontade! Esta sendo livre, esse objeto poderia, efetivamente, não existir, ou ser outro, original e essencialmente; mas nesse caso, também toda a cadeia, de que é circular, e a qual é também fenômeno da vontade, seria de todo diferente; mas, uma vez realizada (a vontade), esse objeto tomou na série de causas ou efeitos um lugar necessariamente fixado e já não pode ser outro, como não pode trocar, nem sair da série, nem desaparecer.
O homem é, como qualquer outra parte da natureza, objetividade da vontade; por conseguinte, o que acabamos de dizer aplica-se, igualmente, a ele. Como qualquer coisa na natureza tem as suas forças e as suas qualidades que contra uma ação determinada reagem duma determinada maneira, e constituem o ‘seu caráter', assim também o homem tem um caráter, em virtude do qual os motivos (seus motivos pessoais) lhe provocam os atos de necessidade. E por meio destes atos que se manifesta o seu caráter empírico (prático), que
revela a seu turno o caráter inteligível (incompreensível), a vontade em si, de que ele é o fenômeno determinado (o homem pode ter suas próprias vontades).
Mas o homem é o fenômeno mais perfeito da vontade: a sua conservação exigia que fosse assistido por uma inteligência de tal sorte desenvolvida que fosse capaz de elevar-se até ao ponto de tornar-se, na representação, uma repetição adequada da essência do mundo; esta repetição, este espelho que reflete o mundo é a concepção das Idéias (nas votades): apreendemo-lo no livro terceiro. A vontade no homem pode, portanto, chegar ao pleno conhecimento de si: pode conhecer clara e inteiramente a sua própria essência tal qual se reflete no mundo."
(Livro O Mundo Como Vontade e Representação, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer - 1788-1860)