quarta-feira, 20 de março de 2019

Mara Espera Amiga (poema)

Mara Espera Amiga

Foi uma noite perdida,
Quase que esquecida.
Mara olhava o céu,
Olhava com a mente florida.
Vivia no campo cercada,
Curto aos olhos da vida.
Sem espaço aberto - planícies -,
Mas morros, escarpas infindas,
Mara feliz só vivia,
À sombra que do sol surgia.

Cobria as flores amigas,
E Mara sorria perdida,
Como a noite da luz infinita.
Que belos os toques suaves,
Que ventos leves sentiam
As flores, amores, sabores,
E Mara liberta vivia!
É Zéferos, o poeta diziam
Seus versos a poesia.
À noite, negra e amiga,
Aos olhos de Mara sabia,
Que amores moram no tempo,
Que o tempo tudo cabia.
Que o tempo espera a vida.
Sem ela, sem vida esperança.
Que seriam da noite perdida.

Mara cresceu com o tempo,
E a noite vinha amiga,
Hoje, sem morros e escarpas,
Mais curtos espaços da vida.
Do prédio, olhar da sacada,
Os olhos na noite perdiam
Aquela quase lembrança
De Mara da noite esquecida.
Esperança, olhar de criança,
Que mora, habita a alma,
De Mara, de Clara, de Sara,
De todas mulheres amadas.
Sensiveis ao bem da paixão,
Que esperam silenciadas
Ao sabor do sentir a alegria
Daquela criança amada,
Também sonhadora do tempo,
Passado e lá no futuro.
Mara espera com amor,
E nada lhe tira o encanto
Da noite esperança sem dor,
Esperança, que faz tanto
Bem quem crer no amor.
Feliz, Mara espera vivida.

Mentira - poema

Mentira

Minta para mim,
E faça dos seus segredos minha penúria.
Meus castelhos foram fantasias?
É que cada aliecerce foram palavras suas,
Que hoje as vejo duras, afiadas, cortantes,
E na alma brincam animadas à luz de minhas tristezas.
Minta sempre para mim, porque a verdade, silenciada, não machuca se a mentira tem mais beleza.
Da mentira se fazem amores impossíveis de serem cridos.
Eu cri, e não por inocência, já que hoje não rio, e levo apenas certezas de estar respirando algo intragável como a minha própria existência.
Minta, minta, sempre, reine na mentira.
Ela pode até ser o bem que a verdade não aguenta.
Deixar de saber para não sofrer,
E sofrer em dobro ao saber, o que era segredo da verdade.
Eu menti para mim ao crer em não verdades suas e ainda me iludo, porque a ilusão caminha com a certeza da vida.
Quero hoje, na verdade, a ilusão, e queria aquela mentira como verdade eterna.
A morte para quem fica é da mesma natureza para as palavras sem lastro com a verdade.
Eu acreditei.
Sofro hoje.
Creio nesto sofrimento, porque sei que é verdade, ainda que eu queira sonho daqueles bem mentirosos como do amor eterno.
Mas não foi por falta de aviso, já que o poeta nos ensina que todo amor é eterno enquanto dura.
Já a mentira e eterna sempre.
Minta sempre.

(Flávio Notaroberto)

sexta-feira, 15 de março de 2019

Estou Grávida

Desafio Literário - Narrativas Curtas
(autor: flavio notaroberto)

Personagens: Caio e Keli
Lugar: praia
Sentimentos: amor, paz e liberdade

- Estou grávida.
E não disse em voz. Foi em pensamento dividido, entre o infinito do olhar e o sol.
- Que foi?
- O sol.
- Vem p'ra a sombra.
- Estou grávida.
E, novamente, voz interna, tão silenciona quanto o mar, plano, pleno, sem idas e vindas das águas. Antes as ondas quebrassem, e estrondos, e turbulentas, e agitadas, no coração agora perturbado de um sentimento superior à coragem de maculá-lo.
- Amo esta paz e esta liberdade.
- Qual?
- De ser o mar sem dono, sem olhos internos, sem prisão, sem medo de nada que possa destruí-lo quando furioso.
- O mar?
- E o amor também.
- Estou grávida.
E não tinha coragem de materializar sua verdade interna, ainda pequena, ainda guardada, ainda silenciosa, mas sua.
- Eu amo o mar como está, Keli. Vou mergulhar. Vem comigo?
- Não, pode ir.
- Vem p'ra sombra.
- Estou bem.
- Caio!
Keli não gritou. Mexeu os lábios voltados ao sol, vendo-o mergulhar. Mas o ventre ao sol, as mãos sobre ele, e sentia um amor hipnotizado. Não tinha coragem de dizer. Por que não? Caio ama a liberdade, e quer maior prisão do que o olhar da vida egoísta gerada em si mesma do ato de amor permitido entre duas vidas que se amam? Ela, a outra vida, vinha silenciosa. Assim, meio mar interno, que abriga a origem, meio consciência de sentir sua maternidade. As dúvidas eram dela, da liberdade perdida, da paz interrompida, do amor transcedente, que agora insistia dentro dela. Não desgrudava as mãos do ventre agora amado.
- Sabe o que eu estive pensando lá no mar, Keli?
- O quê, Caio
- Quero ser pai.
Keli silenciou. Em seguida, chorou. Depois compulsivamente. Levantou-se. Foi para o mar, que tudo responde a este mistério de gerar.
- Sério?, perguntou com um largo sorriso.
Foi o amor mais ainda compartilhado. Por mais liberto que fosse, Caio também chorou, e de felicidade. E lá mesmo no mar, silenciosa e apaixonadamente, celebraram em íntimo amor a vida, sagrada e milagrosamente compartilhada.





















quinta-feira, 14 de março de 2019

O Consultório

Desafio Literário - Narrativas Curtas
(autor: flavio notaroberto)

Personagens: Lucas e Amanda.
Sentimento: amor, raiva, alegria.
Local: consultório
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- Não entendo bem, doutora.
Amanda já entendia. As pernas cruzadas, com postura, um pequeno caderno em uma mão, caneta verde na outra.
- Por que escreve com a verde?
- Perdi a azul.
- Mas semana passada era verde, e na outra, e na outra.
- Perdi faz tempo.
- Vu trazer uma para a senhora. Azul.
- Obrigada.
- Posso ver seu caderno?
- Este, em minhas mãos? Olha só, disse, apontando de longe. Ele tem a idade de quando nós começamos...
Lucas ameaçou extender a mão. Intimidou-se. Recuou. Faltavam dez minutos.
- Eu vivo uma ilusão, doutora?
- Tecnicamente, é complicado definir psicologicamente o que é realidade e ilusão. Mesmo assim, estamos em alguma realidade, Lucas.
- Posso amar e sentir raiva da mesma pessoa ao mesmo tempo?
- Pode.
- Não é uma ilusão amar e sentir raiva de uma mesma pessoa?
- Não digo ilusão. É um paradoxo.
- Defina paradoxo.
- Uma verdade que parece mentira.
- Eu amo e sinto raiva da mesma pessoa.
- Raiva ou ódio?
- Raiva, doutora. Ódio não combina com amor.
- Então você pode ter raiva por amar alguém que não corresponde ao seu amor, Lucas? É isso?
- Sim.
- Tem raiva mais dela ou do seu sentimento?
- Do meu sentimento.
- E quem sente seu sentimento?
- Eu, né?
- Então a raiva é por você mesmo?
- Talvez. Mas me sinto melhor transferindo a culpa.
- Autoconsciência é o início das descobertas mais significativas sobre nós mesmos. A autoconsciência nos liberda da escravidão do amor, da raiva, do ódio, da busca sem critérios da ideia de felicidade.
- Eu sei. Mas deve machucar muito a autoconsciência.
- Machuca. Ela apenas liberta.
- Acabou a seção, doutora.
- Mais um passo para a alegria?
- Sim, um passo mais longe da tristeza.
- Este caderno será seu depois.
- Obrigado.



















JOANA E ZION

Desafio Literário - Narrativas Curtas
(autor: flavio notaroberto)

Personagens: Joana e Zion
Sentimento: reflexão, caridade, alegria
Local: África

O jogo acontecia no mês de março, terra batida. Fazia sol já tarde. A queda no gol fraturou o braço esquerdo.
- Nem doi, nem doi, nem doi, disse em sotaque português, o menino José.
Doía do seu modo. Saiu da terra seca e do sol artido, xingando nomes na sua língua africana. Foi para baixo da árvore, braço recolhido, imóvel, e um tronco longo, embaixo dela. Ele se sentou. A pele escura, pouco suor, o pó tomando-o, como enfeite da sua particular sina. Percebeu inchar o braço. Ficou lá, gemendo internamente. O jogo quase na frente dele, gritaria, correria, alegria.
"Joana e Zion". Curioso, molhou o dedo com cuspe. Passou-o sob o tronco caído. Aos poucos, com mais cuspe e mais dedo, os nomes se abriam nitidamente impressos no troco, "Joana e Zion". Teimou mais, e um coração imperfeito cercava Joana e Zion. Embaixo, uma data, ou melhor, um mês e ano, "março/1919"
- Olha a bola!
Bateu no tronco. Ele chutou de volta. Doze garotos no sol. Um na sombra. Dois nomes no tronco. Um coração. Uma data. O ano de hoje era 2019. Março de 2019. José, nascido em Maputo, em 2007, lançou os olhos da imaginação para os 100 anos atrás de Joana e Zion. Ele jogava no gol, porque não gostava de futebol. Preferia os livros e a escola. Olhar perdido em si. O tronco foi levado para casa. Com dificuldade, claro. Lavou-o e achou verniz para o belo do olhar. Envernizou-o por inteiro. Joana e Zion, o coração, a data destacados. Na pobre casa, um enfeite simbólico em um canto do casebre.
- Um dia serei escritor, disse em preces duas semanas depois, com o braço ainda inchado, e o amor entre Joana e Zion será descoberto pelo mundo em um lindo romance negro, com as seguintes palavras iniciais, guardadas hoje no pensamento:

"Sob a sombra de um Baobá, à silenciosa dor de um olhar inocente, nos perdidos recantos da periferia de Maputo, em Moçambique, o pó dos amados ainda persistiam na eterna juventude dos amores, e foi em 1919, que Joana e Zion..."

Família Subasio (conto)

Aceitando o desafio
Nomes :Juvenal e Gilvanete
Lugar :Assis -Italia
Sentimentos:amor ,companherismo e otimismo

"O vento prenunciava chuva. Juvenal foi à cisterna pegar água para o cozido. "Logo chove.", lembrou a mãe em italino forte. O menino viu os pássaros fugindo. Jorrou a água na jarra de barro. Antes de entrar, um grito estridente de bom dia. Era a pequena Gilvanete, seus escorridos cabelos dourados, verdes olhos penetrantes e sorriso ainda tímido. Juvenal sorri de volta. À tarde, se encontram sob o extenso vinhedo do avô de Gilvanete. Ela se lembrou, como fazia sempre, das juras de amor e casamento, quando ambos tinham sete anos. Juvenal sorriu. As lágrimas vieram três anos depois, quando da guerra. A cidade de Assis estava longe dos conflitos, mas ele foi recrutado para defender o Dulce e a pátria. Gilvanete, sob o pequeno vinhedo agora abundante, olhos marejados, forçando o sorriso, pega na mão de Juvenal. "Vamos ao Subasio." Não era o momento de desesperança. Ele a acompanhou, em silêncio, porque lágrimas internas. Lembraram Francisco, e sentenciaram juras de amor eterno, eterno cuidado. Juvenal foi. Gilvanete ficou. A cidade de Assis teve pouco reflexo da guerra senão seus homens em risco e mulheres solteiras. Ela, aliás, colhia escuras uvas quando prensentiu. Largou ao chão as uvas, verteu renovadas lágrimas de alegria, correu. Era Juvenal de volta, olho ferido, sem faixa. Abraçou-o, beijou-o. Em seguida foram ao Monte Subasio, lentamente. Era a promessa paga. No mesmo dia deram-se em matrimônio e decidiram a vida compartilhada. Vieram para o Brasil e tiveram sua primeira filha em 1947, chamada Francisca, e adotaram o nome familiar Subasio em todos os cinco filhos posteriores. Esta a origem da família Sibasio no Brasil."