Conversando com uma querida amiga nos seus 36 anos, e eu nos meus 41, disse a ela algo como - a partir de um certo momento - devemos encarar a vida como um tempo e não mais como anos, ou mais precisamente, com a idade que martela um prego para dentro de nossa cabeça, insinuando aquilo que na verdade não somos: idade.
Todos os anos, inevitavelmente, baterão em nossa porta emocional amigos e parentes congratulando-nos pelo ciclo que remete aos ciclos solares sobre a Terra. Chama-se a isto ano. Isto é hábito, tradição, até ritualismo.
Tem suas razões de ser, claro. Mas, como disse, melhor mesmo deixar a cara limpa com o tempo contínuo (temos tempo) do que focar nos anos racionais das leis newtonianas gravitacionais do sol sobre nós. Sendo o ano um ciclo do sol sobre a Terra para a astro-física, o que resta-nos então? O tempo contínuo.
É comum à juventude fragmentar-se. Estimulada pelos pais desde o primeiro mês de vida. As idades como 10, 15, 18 anos são basilares. Cada momento com sua força psicológica e eventual simbolismo social e pessoal. O mundo do tempo presente é infinito aos nossos jovens como foi para nós. Mesmo porque, de um modo geral, na idade da juventude, que obrigação eles, os jovens, tem senão o da descoberta?
O novo seduz facilmente como pouca coisa ao longo de nossas vidas. O novo é sempre ser. Um eterno ser. Jamais um estar. Sou feliz traduz uma perenidade; estar feliz, uma transitoriedade.
Não é por outro motivo, portanto, que pensar em tempo de vida seja mais adequado do que pensar em anos de vida. Somos uma vida e não estamos velhos, ou com mais idade etc:
"Qual a sua idade?", perguntam-me.
"Estou com 41.", respondo, quando poderia me permitir falar: sou um tempo contínuo...
Porém, compromissos como IPVA, Imposto de Renda, Natal, Ano Novo, Férias etc., nos condicionam a viver anualmente. A estar preso aos ciclos anuais. Aí vem o "estou velho", "estou com idade", "estou com 40, 41, 42, 43...". E não um "sou um tempo contínuo, e neste tempo contínuo, sei muito bem o que pretendo, quero, posso ser ou não posso mais." Ser um tempo ajuda sobremaneira. Muito melhor do que estar com idade.
A ideia de recomeçar deve ser uma virtude por uma razão simples (eu disse há pouco): nada seduz tanto nossa mente do que o novo, se acreditarmos que somose não estamos. Recomeçar estando com x idade vai angustiar. Mas recomeçar sendo um tempo, sentindo o universo desafiador, reconfortante, cheio de energia potencial é sublime. Somos um temos. Até o momento em que estejamos todos, inevitavelmente... preocupados em pagar todos os impostos anuais. Inexoravelmente. Somos e não estamos para a vida...