sexta-feira, 29 de junho de 2018

Igor

Igor Marques tem 15 anos e foi um aluno meu ano passado, em Juquehy. Ele sempre teve muita dificuldade e suas redações era das piores possíveis. (Abaixo algumas palavras escritas por ele ainda agora). Antes uma reflexão. Tenho por mim que em três, quatro, cinco anos é possível dar uma reviravolta na educação pública brasileira. A Coreia do Sul fez em 20 anos esta revolução. Bem, posso falar da nossa responsabilidade dos professores de Língua Portuguesa, que é a minha área. Adotei o método bem objetivo nas minhas aulas que "eu preciso formar leitores e nossa meta será esta até o fim do ano". Fui bem objetivo assim com os alunos. Eu ensino gramática (e até que relativamente bem), mas eu falo para os alunos "meu objetivo é fazer de cada um de vocês leitores plenos e não alfabetizados sem capacidade de analisar o que lê." Claro que para ser leitor, tenho que ler, eles têm que ler, todos temos que ler. Ano passado, nos 9° anos, eu li muito com eles. Dentre os textos, contos do Machado de Assis e inclusive boa parte do romance de Machado, Memórias Póstumas de Brás Cubas - fora as dezenas de outros textos que eu levava (os 9° anos têm uma maturidade bacana para ler, por exemplo, algo sobre psicanálise etc.). O fato é que o Igor Marques, com toda dificuldade dele, (eu fiquei sabendo que ele sempre foi ruim na escola, mas mesmo assim, educado e esforçado), ele somente precisava daquele pequeno empurrão cognitivo para ajudar a estruturar seus pensamentos e o que preencheria seus objetivos pessoais na educação. Neste sentido que creio fielmente que, em no máximo cinco anos, um outro país educacional teríamos, com alunos mais focados, mais desacelerados, sabendo do que quer - ainda que queiram ficar longe dos livros. O problema é que nosso sistema educacional não prepara para o livro, não temos a cultura do livro - a não ser iniciativas pessoais e pequenos projetos voltados à leitura. Eu dei aulas para 90 alunos e 1 pegou paixão pela leitura e talvez tenha se tornado uma pessoa que ajude nossa sociedade em multiplicador de conhecimento. É pouco. Mas mesmo assim, já em algo, ou alguém que carregaria o estigma do quase incapaz para uma formação educacional plena. Bem, abaixo as poucas palavras que ele trocou comigo e pede minha orientação para a sua vontade de estudar no exterior:

"Professor, sabe, eu tou com umas ideias de fazer uma Universidade fora do Brasil, sabe? Eu penso assim: antes eu não conseguia fazer uma redação adequada, e hoje eu tenho as melhores notas em textos de todo o gênero... Não gostava de ler um livro, e hoje em dia não consigo viver sem ler... Não conseguia entender nenhuma conta de matemática e hoje já corrijo as provas."

Bem, desenrolamos uma conversa e assim que abri uma turma de inglês em minha escolhinha de inglês aqui em Cambury eu vou dar uma bolsa para ele. Estas superações alheias são emocionantes, assim como eu creio que nós, professores, somos apenas instrumentos, meios, pontes para eles atingirem o destino que eles querem para as suas vidas.

Prof. Flavio

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Poema Caiçara à Familia Faustino

O espírito que envolve a dor paterna,
O espírito aos dobres, mar amigo,
Tenso olhar, de quem tem a paz consigo,
O caiçara, o barco, uma lantena,

Partiu p'ra encontrar o seu menino
De Juquehy, perdido, uma criança.
Temeu surgir qualquer intemperança.
Sabia que fazia seu destino,

Sem rumo, e o coração entregue ao vento,
Lembrou as longas horas já passadas.
"Saiu à tardezinha!" e mais nada,
"Me afogue se não ter o meu rebento."

A noite povoada de estrelas,
E o pescador sentia o seu passado.
"Rogo ajuda ao avô e ao pai amado!"
Que a morte passe longe sem sabê-la.

Remando, gritando, com força bruta,
Na areia a esposa em prantos esperava.
"O mar a ti pertence!", acreditava.
Nasceu para vencer a cada luta.

N'água continuava seu caminho.
Sua vida pertencente sempre ao mar.
Teve o amor e por isso sabe amar
O filho que no mar 'tava sozinho.

Longas horas a noite passaria
Cruzou praias, até a Boiçucanga.
No remo, força qual a desumana,
Viu os raios do sol qual o seu dia.

Exausto, sem perder a confiança
No amor que tudo pode e fortalece,
Vê o filho, boiando, e estremece,
Gritando, "Não, meu Deus!, é uma criança!"

Agarrado a um tronco passageiro
Quase prestes a dormir eternamente,
Os olhos se abriram de repente,
Era o pai acolhendo-o por inteiro.

Que milagre, que vida, estão ali!
O filho salvo na canoa agora.
Com a mesma força, volta sem demora
Para a mãe nas areias, Juquehy.

A família novamente se abraça,
Se abraçando, voltando ao seu lar,
É assim quem põe a vida a remar
Nas belas praias, vida caiçara.

Pode o destino triste vir mudar
Os séculos que existem de histórias,
Mas há vida guardada na memória,
Memória caiçara é seu lar.

Aos olhos invejosos dos amantes
Que sonham em viver a poesia
De ser homem do mar noite e dia,
Mas vive na cidade delirante.

Entrego estes versos ao destino,
Que mais alegre vive em nossa mente
Saber do amor de ainda em muita gente:
Família Caiçara, os Faustino.

Por Flavio Notaroberto

terça-feira, 12 de junho de 2018

Poema

Poema para {Todas [Algumas (Uma)]} Mulheres

Traduza-me minha alma que lhe entrego meu corpo.
Traduza-me meu corpo que lhe entrego minha alma.
Já fui metade, porque conseguia completar-me naquela solidão.
Não preciso mais entregar metade de mim mesma a ninguém, porque me completo apenas por inteira.
Não sou e não devo ser aos olhos de ninguém, nem aos toques, aquilo de simplesmente ver e tão somente sentir.
Quero o toque na alma,
E ver-me inteira.
Quero sentir-me vista na alma,
E tocada por inteira.
Quero dançar entre as sensações que a vida vivida me negou a metade.
Não creio mais na ilusão, porque a ilusão era aquela metade não preenchida.
Ver-me a alma.
Sentir-me o corpo.
Aos olhos e toques do outro.
Traduzir uma e outro em gestos sinceros de acolhimento, respeito, espaço, confiança, sem impor seus limites, e deixar a natureza da verdade a harmonia de tudo.
Tudo depende do olhar e do toque.
Tudo depende de como me vê.
Tudo depende de como ver-me a minha alma e meu corpo.
As demais, já sei, já tive, já conheço, já experienciei.
Hoje escolho.
É desconfortável a perda da inocência,
Mas confortável infinitamente é ter a mim mesma.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

A Beleza é Fundamental

"As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental." Sinto mal-estar ao ler este infeliz verso de Vinícius de Moraes. Nunca gostei deste verso, assim como nunca gostei de muitos versos de Vinícius de Moraes (que me perdoem seus admiradores!), porque parecem versos tirados de mesa de bar, o que é bem provável. Por outro lado, eu não sou hipócrita e cínico de achar que a beleza não nos seduz e arrebata, momentaneamente. Quem não? Quem nunca? Quem não e nunca foi refém por segundos eternos diante da beleza avassaladora, quando bem próxima, tão próxima de nós? A beleza ao lado nos prostra, é verdade. Todos, portanto, nos seduzimos e nos petrificamos. As feias e feios que nos perdoem, mas a beleza é de fato meduza sedutora que nos petrifica, e na maioria das vezes somente causa aborrecimento e destruição - beleza sem essência empática é horrível. Apenas e tão somente aborrecimento o belo e a bela em si, para si, consigo. Eu, que estou no limiar entre o feio e o não feio, não me olho no espelho, nem me iludo com a beleza, a não ser o belo da arte, que é bem relativo. Não se espera da idade a beleza. A beleza na idade vem de valores, nem tanto de olhares. Não se olha a beleza na idade. Sentem-se de muitas perspectivas. Espera-se da idade mental ser compatível com a idade física. Neste particular a beleza transborda lindamente, e por razões das mais diversas, a ponto do olhar da vida se transfigurar uma linha imaginária coerente do que eu fui, do que eu sou e do que eu serei. E prolongar a análise do que a história da humanidade foi, é e será. E do Universo que um tempo futuro se reestabelezará na sua harmonia eterna com o seu eterno sentido oculto para nós, humanos. Vinícius de Moraes que me perdoe, mas este seu verso foi infeliz demais e pessimamente fundamental. A poesia tem que causar o brilho da inocência seriamente, e não polemizar, não segregar, não cansar, não intimidar, destruir e inferiorizar. Inferior somos todos perante o tempo - inclusive o belo. A beleza eterta é espiritual. Eu descobri, não bonito que sou, que preciso é ser mais feio do que bonito espiritualmente para respirar melhor, sentir melhor, refletir melhor, melhor viver na paz desejada. Sim. Paz interior tem a ver com esvaziar qualquer beleza fora de nós. Exatamente qualquer. Às vezes solto algo belo na palavra falada ou escrita. Palavra bela porque se deseja exaltada, não a palavra em si, vida humana. A vida humana não é um olhar petrificante, ainda que bela. Sim, potencialmente bela, porque belo deve ser nosso espírito, e que me perdoe a ignorância, mas a sabedoria com o passar dos anos é fundamental.