sábado, 24 de outubro de 2020

Emoções

Já pensou uma realidade futura em que seus momentos mais importantes devem ser compartilhados com o mundo como se não fossem apenas seus? Na verdade, sempre fomos assim, nós, a humanidade. Vivemos esse presente e nossos antepassados também. Todas as nossas emoções apenas têm sentido diante do olhar do outro. É muito prático para a nossa vida entender que não somos jamais ilhas emocionais. Não importa o que você sinta nesse momento, sua emoção (o que inclui ansiedade!) vem sempre de uma outra pessoa, outra coisa. Como somos nós que sentimos, parece uma verdade nossa, que pertence à nossa realidade, e ninguém tem culpa. Porém, se começarmos a colocar em cheque essa nossa crença pessoal, atingimos o início da paz interior, de não deixar pessoas tóxicas nos devorarem, e não permitirmos mais as pessoas nos atingirem. Afinal, todos somos atigindos pelas pessoas. É a nossa falta de consciência de que não temos culpa de sentir, e que é a coisa mais natural do ser humano, que nos leva a reações muitas vezes autodestrutivas. Então, todos nossos sentimentos são sentidos por nós, mas por causa dos outros. O negócio é sentir e tentar não se culpar por nada que seja puramente negativo. E olhe que essa reflexão não vale para narcisistas, nem para psicopatas e sociopatas.

domingo, 18 de outubro de 2020

vergonha alheia

Há um espírito de vergonha alheia mais intenso. Vergonha das pessoas do que de si mesmo. Vergonha de uma imagem, que diz pouco do bastante que as pessoas gostariam de dizer. Na guerra fria de quem somos mais diante do mundo, o espelho é o mundo que reflete quem nos olha. Desejamos o olhar alheio. Diluiu-se a capacidade de ver a nós mesmos. Precisamos da afirmação do outro sobre nossa percepção diante da natureza, que existe para nós. Sem o outro saber que vemos, não existimos para nós. Essa a vergonha alheia. Nesse sentido, não apreciamos pensamentos em palavras, que caminham seu curso desafiando a lei da indiferença. As palavras existem elitizadas por quem as lê. Desafia existir num mundo em constante construção, e traduz o que tem de mais peculiar. Sim! As pessoas desencantam quando querem encantadas por imagens superficiais do que são nos contornos dos sentidos. O lado incrível no universo dos poemas revela-se no impacto semelhante às palavras terapêuticas de nossas angústias e desajustes emocionais. Ler poemas não se vira os olhos para o mundo, porque não são os olhos do mundo. Logo, não há espelho, senão aquele em que o reflexo seja a si mesmo. Essa a vergonha alheia. As pessoas querem aparecer demais, porque não sabem quem são a si mesmas, e existem sem caminhos pavimentados com seu ser.

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Práticas Neurológicas

Lendo agora algumas páginas de um escritor americano que adoro, Will Durant, três palavras me chamaram à atenção, das quais duas eu já conhecia e me havia esquecido o sentido, e a outra li pela primeira vez hoje, e o sentido foi intuído. As palavras são "turgescência" (a turgescência da vida); "desmedram" (os modos naturais e espontêneos desmedram); "transientemente" (se o livre-arbítrio é ilusão da máquina transientemente da vida). Turgescer é crescer, inflamar; desmedrar é deixar de crescer, diminuir. E transientemente é brevemente, algo que logo deixará de existir. É mera coincidência os sentidos se aproximarem, ou seja, crescer, diminuir e deixar de existir. O ponto que trago à reflexão é o que as palavras significam. Fazer do desconhecido deixar de ser desconhecido exige um movimento "efeito em cascada" em que um simples passo vai rumo ao outro e assim numa jornada até construir o entendimento que se espera. Nesse sentido é que não existe "genialidade" como se fosse uma entidade abstrata e oca, que participa do gênio sem prática. Já se conhece o estudo das "dez mil horas", ou três anos e meio de intenso treino, oito horas por dia, para que se saia das primeiras notas de um piano ao domínio virtuose do piano. Assim vale a todas artes e habilidades humanas. Veja que algumas genialidades são precoces justamente porque a precocidade tem o tempo da prática, sem outra preocupação humana. Mas se hoje, exatamente agora, não importa a idade, qualquer ser humano que tiver tempo de praticar uma habilidade por oito horas, ao longo de três anos, simplesmente sai do zero absoluto para o que chamamos de genialidade. Evidentemente que sabemos de nossas dificuldades, porque o tempo que temos, em sua grande maioria, não nos pertence. Nosso tempo pertence ao trabalho, à família, aos filhos, às obrigações sociais etc. Não existe um interruptor de 8 horas diárias e ininterruptas que podemos ligar para focarmos na construção de um talento qualquer. Mas olha que irônico. Em 1995 eu fazia USP. Eu tentava ler os textos acadêmicos e me dava angústia por não assimilar nada. Então, intuitivamente, resolvi mudar o jeito. Lia linha por linha, e lia mais de dez horas todos os dias, ao longo de quase dois anos, até 1997. Depois comecei a trabalhar e não tive mais tempo. Mas foi justamente quando comecei também a escrever meus primeiros contos e aspirar à vida de escritor. Hoje as palavras brincam em minha mente como ondas do mar que vêm e vão, esperando para que eu as escreva num poema, romance, reflexão. Eu perco mais tempo em controlar minhas emoções no ato do escrever do que escrever em si. O que é controlar as emoções? Pensar no que se sente e se ele traduz o que se sente, sem ingenuidade. Deseja mudança? É mais fácil, muito mais fácil do que se imagina! Simplesmente praticar. Bem, com isso dá para abrir um belo sorriso e tratar a dificuldade com menos ódio e rancor. Existem dificuldades, claro, mas aí são impedimentos realmente fisícos ou neurológicos, e quando se tem uma das duas, o diagnóstico é rápido. Mesmo assim, as Paralimpíadas e tantos talentos com impedimentos neurológicos provam que a prática cria no cérebro a estrutura para a a habilidade desejada. Para as demais dificuldades na aprendizagem, é apenas controlar o emocional (90% de nós estão em nosso emocional) e praticar, praticar, praticar regularmente. Sim! Somos governados por duas estruturas enfiadas dentro do cérebro: as amigdalas e a índula, que nos dão todas as respostas emocionais a tudo o que sentimos. Aqui é a sede do autocontrole, que vem de nossa mente consciente - mas aí já é outro papo.

- flavio notaroberto -

domingo, 11 de outubro de 2020

Dizer sim para si mesmo

Eu nunca disse "não" aos meus filhos e nunca vou dizer. O que representa o "não" para mim? Poder fazer algo e simplesmente escolher não fazer. Oras, se você não consegue e não pode fazer algo que peçam a você, o "não" é a resposta simplesmente esperada e razoável. Não damos o que não temos. Se me pedem algo, e eu posso, e não importa o que seja, mas eu podendo, sim, faço. A ideia básica de que não se deve ceder com facilidade a caprichos é verdade. Porém, não se resume à relação entre pai e filhos. A pior relação de todas vem daquela narcisista em relacionamentos amorosos, em que a única coisas que unem as pessoas são desejos e promessas de harmonia e sincronização espiritual - no sentido humano, e não religioso. Contudo, uma das partes é narcisista, e usa a outra pessoa através de chantagens emocionais e escravidão ameaçadoras. Viver com pessoas narcisistas pode ser o fim de tudo para a outra pessoa. Aliás, não se deve falar "não" com frequência por um princípio existencial de vida - a não ser às narcisistas e psicopatas. Pessoas afirmativas passeiam pelo mundo e fazem suas histórias. "Não" é uma palavra tão forte e mágica, que o pouco uso dela nos dá a certeza de que seremos ouvidos quando a dissermos - inclusive a nós mesmos. O não também destrói sonhos. Seus sonhos são bombardeados por pessimistas e negativistas, que impõem tantas dificuldades. Geralmente são pessoas que começam com um "por que você quer isso?", e em seguida "ao invés de fazer isso, faça outra coisa", e por fim "não faça isso não". Seguir a vida nesse delicioso rumo existencial exige afirmação, que serve apenas diante da certeza do que sentimos e existimos. A vida é uma afirmação nesse aqui e agora. Existe a dialética da negativa, e na filosofia o termo "negativo" é de bela especulação, do tipo "a natureza da semente é deixar de ser para virar uma árvore" etc - mas nem cuidemos de filosofia. Negar a si mesmo, por isso, é sabotar-se. Afirmar a si mesmo também pode ser uma forma de alienar-se do que se é, e viver iludido. Há pessoas que creem serem amadas pelas pessoas que amam, mas ilusoriamente acreditam que a pessoa não sabe que a ama. Uma ilusão pura de sentir-se especial sem o outro querer admitir que ela é especial. Resumindo, aquela sensação de que as pessoas têm inveja de nós, do que somos, é essa ilusão de que somos especiais. No fundo, temos inveja apenas durante a adolescência - nem na infância sabemos o que é isso, e na fase adulta a inveja se dilui entre o que somos, temos, queremos, precisamos, nos preocupamos e ligamos o "fud#@%#-se". Se um adulto sente inveja, ele não deixou a adolescência. Ligar o processo do "sim" na vida em tudo nos educa a olhar para a existência, e nos tornarmos exitencialistas. Se contemplamos a existência, então apreciamos o que sentimos; se formos indiferentes à existência, não especulamos nada e existimos por existir, como uma flor, o sol, a lua, o infinito, o nada. Enfim, aquele "ser ou não ser" de Hamlet, podemos substituir por "ser e tão somente ser" de nós mesmos, e concluir "eis a mais importante questão". Sou, logo existo.

- flavio notaroberto -

Encontrar Caminhos

Conforme a vida vai se tornando mais perdida, parece mais necessário encontrar caminhos, num ciclo infinito, fadado ao fracasso do vazio existencial. Um dependente químico, paradoxalmente, não tem sua vida perdida. Ele sabe muito bem o que desejar, e vive suas consequências. Um religioso, um ninfomaníaco, um pesquisar científico, um filósofo, um escritor, um captalista, um corrupto e um guru. O leque é quase infinito de opções de encontro de caminhos, e caberá a nós julgar as pessoas e sermos julgados pelo que fazemos nos caminhos que trilhamos. Aliás, quando sabemos, os julgamentos incomodam como ruídos, mas não afetam a melodia do canto. Seguir caminhos é criar tragetórias, e não saber para onde ir nos leva a crises existenciais. A regra da vida é sabermos o que fazer. Um princípio que descobri na prática são as mensagens subliminares e inconscientes que pessoas próximas de nós vão nos enviando constantemente. Se eu citasse o caso de minha vida pessoal, seria bem didático, mas não posso por razões ainda emocionais. Pessoas próximas de nós, bem próximas, quando perdidas, vão nos dando pequenas mensagens, decerto imperceptíveis, acessíveis apenas depois de muita experiência. É um privilégio conhecer pessoas que nos leem as intenções, quando estamos fracos e apenas precisamos de acolhimento e orientação. Sim, eu leio. Sou escritor, que é condição básica para abrir com cuidado a casca da noz humana. Mas muitas pessoas intuitivamente são capazes de sentir e ler, e dar a interpretação adequada a pessoas próximas, que se acham perdidas. Uma pessoa perdida somente pode ser ajudada de duas formas: ou ela encontra seu próprio caminho através de muito sofrimento, tentativas e erros, numa luta interna bastante tortuosa e longa; ou a ajuda vem de fora através de pais, amigos, artistas, professores, psicólogos, que não a livra de passar pelo sofrimento; afinal, não saber o que somos e o que queremos é sofrer. Em ambos encontros com a fonte de seu encontro com sua natureza perdida, é a pessoa que caminha seus passos em seus caminhos. Quando seus passos não levam a si mesma, a pessoa anda e anda, vagueia e vagueia, perambula indefinidamente, e se perde mais e mais no infinito universo de percepções psicológicas de suas emoções, memórias, impulsos, desejos e ansiedades. Quem está de fora e nada pode fazer simplesmente lê as mensagens de socorro; mas, como disse, nada se pode fazer se você não tem acesso à pessoa. Se fosse para resumir o vontade de encontrar-se, poderia propor algo como saber o que a pessoa afinal representa para ela mesma. Ontem um aluno meu me compartilhou versos que ele vem escrevendo. É um pequeno universo existencial rumo a um encontro consigo mesmo, e eu o apoio e disse a ele que quero acompanhar sua tragetória artística, agora no início de seus quinze anos. Eu sou crítico de nossos adultos, porque muitos se veem perdidos e tentam compensar-se na geração anterior a deles, o que parece confundir a necessidade do confronto de gerações, que ajuda a estruturar a razão de viver dos jovens. Mas isso é uma outra especulação. Estamos sendo bombardeados de buscas de caminhos. A arte para mim pode ser o início mais seguro rumo ao encontro com nosso próprio eu. Aliás, a arte pode ser no final de tudo a única e mais bela razão de haver gente.

- flavio notaroberto -

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Origem dos Sentimentos

Não faz sentido algum nossos pessoais sentimentos senão na perspectiva dos outros. Não somos ilhas emocionais e não criamos nossos sentimentos. Eles são criamos e nós e sempre compartilhados. Quem dá siginificado ao que sentimos não está dentro de nós, mas sim fora de nós - ainda que achamos "absurda" tão afirnação. Não importa a natureza do sentimento, nem de sua intensidade. Não apenas pessoas causa em nós sentimentos. Um galho de árvore, que danificou nosso carro, ou sujeira no chão na calçada do nosso vizinho pode provocar sentimentos diferentes, inclusive de prazer. Tendemos sempre a olhar nossos sentimentos dentro de nossa perspectiva - jamais na dos outros - e pensar que somos autônomos. Uma criança se sente culpada mais facilmente porque ela acredita que os sentimentos dela existem por causa dela mesma. Afinal, ela que sente. Nós adultos precisamos fazer o caminho da libertação dessas culpas para amadurecermos, o que leva anos. Olhar para si como indivíduo, por sua vez, depende de como nossa imagem pessoal e autoimagem é e foi construida pelas pessoas. Veja que todo discurso de poder, transferência de poder e potência de poder cativa com facilidade as pessoas, justamente porque ajuda a pessoa a dar um mergulho dentro de si mesma, em busca daquele autojulgamento libertador independente das pessoas. De um modo mais sutil e peculiar, todo artista e a arte trazem em si meios para as pessoas olharem para si mesmas com o poder e a potência necessários rumo à sua libertação emocional e independência afetiva. O que é uma produção artística? Para entender uma arte é interessante saber afinal o que são mercadorias, que se vendem como celuares ou tênis. Um quadro, um filme, uma peça de teatro, um poema, uma música são igualmente consumos, semelhantes a carros, casas, lanches, roupas. Tudo entra no mesmo caldeição do consumo. O ponto que diferencia ambos é a rapidez do sentimento provocado em nós. Repare que quanto mais rapidamente um sentimento de posse se desfaz em nós, menos arte ele é. O contrário diz mais. Quanto mais algo envolve nossos sentimentos, mais arte ele é. O poema e o filme que temos sempre na memória são mais artes do que a roupa que compramos semana passada e já está esquecida. Oras, traumas são emoções negativas, que persistem sempre. Os traumas de séculos atrás eram resolvidos por dois meios básicos: a catarse artística ou a sublimação religiosa. Na arte, o herói poderoso era destruído num trágico fim. Se o herói tinha uma vida pior do que a minha, então não devo reclamar. Isso é a catarse. Na religião, os traumas eram olhados para a esperança na fé, e sofrer se tornava mais suportável. Isso é a sublimação. Bem, eram caminhos rumo à autoconsciência. Hoje está bem mais sofisticados esses caminhos. Na essência, nossas vidas giram em torno de alcançar a autoconsciência, que nos ajuda a lidar com algumas dores e nos faz encaixar e aceitar mais facilmente o desconforto emocional. E novamente, todos os nossos sentimentos vêm do outro. Não inventamos emoções do nada, do vazio, do vácuo. Portanto, antes de cobrar de nós a natureza de nossas emoções, seria bom inverter a lógica do que sentimos e passar a perguntar qual a natureza do mundo e das pessoas que provocam em nós tais sentimentos. Em 100% dos casos, nós nos inocentaremos e em 100% dos casos é o início de todas as mudanças rumo à autoconsciência e libertação emocional, porque não nos culparemos pelo que sentimentos e olharenos com mais autopiedade e autocomiseração para nós mesmos. Aliás, não falo por mim. Essas ideias são puramente o funcionamento do nosso sistema límbico - e vale a pena pesquisar a respeito.

- flavio notaroberto -