quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Racionais

- E aí, vamos lá?

- Agora não dá! Nem vai, mano! A história tá estranha.

- Mesmo? Passa outra então.

- É o seguinte. Vitelo trouxe a parada ontem, lá pelas sete da noite. Muita gente nem sabia. Peguei a fita naquelas que nem dá pra imaginar. Sorte! E passei na manha. Bico calado. Fiz de Zé. Me olharam atravessado. Uns, né? Sempre tem uns que dá dó depois. Jão de tudo.

- Mas, aí, que pega então? Não é só colar e um abraço?

- Na manha, Fio. Já falei. Agora não dá. E outra parada. Dizem ai que Marquinho Fiúza não passa dessa noite. Uma treta que não colou ainda direito. Dizem que comeu aí a mina do Azulão. Boato é foda. Tá pedido até umas horas. Nem cola também por isso.

- É. Faz assim. Agora é três horas. Saio às seis da tarde do Betão. A gente vai limpo, sem nada. Cola lá para jogar bola. Ideia vai; idéeia vem. E a gente dá a ideia de uma vez direto pro patrão. Sexta-feira. Vai livrar a cara, Tomé. Cinco conto.

- Faz assim. Depois te dou a idéia de como chegar na boa, sem alarde, direto. Mas limpo não dá. É arriscado. Esse pessoal pega e de uma vez.

- Faz assim. Me liga, Tomé.

- Falou, Fio. Fica ligeiro.

- Falou.

- Falou.

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- E aí? Nada?

- Pilantragem.

- Que foi? Nada? Não zerou nada?

- Não dá pra crer. Nem vai acreditar que Tomé quer me levar pra grupo. Deu umas idéias atravessadas. Quase tirei e zerei o cara. Pilantra! Me segurei até umas horas, louco para acertar bem na testa. Veio desconversando. Disse lá uns papos que nem ele botou fé. Fiz de Jão, mas é o seguinte, Britão, hoje mesmo vamos colar lá, só a gente e pegar o barato. Tomé disse que Marquinho Fiúza tá pedido. Um tal de Azulão. Liga ele?

- Nunca vi nem ouvi.

-Levei uma idéia com Marquinho hoje mesmo, de manhã, numa fita que a gente tem junto e ele ia me ligar qualquer parada estranha com ele. Vamos lá. Vou dar um pulo no Laguinho para falar pro Betão que vou chegar de madrugada. Vai ser foda explicar, mas a treta é essa. Fica com meu carro e eu vou com sua moto.

- Falou, Fio. Põe aí uns vinte contos pelo menos para eu dar um rolê de noite.

- Beleza. Se for pra casa, liga pra Cidinha que chego tarde, só de madrugada. E pede pra mãe não falar nada de mim no telefone e nem pra Cidinha. Essa gravidez tá naquelas. Não quis tirar agora ela que segura a bronca.

- Falou, Fio.

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- E aí, Robertinho.

- Fala, Tomé. Cadê o Fio? Não vinha com você pra fita do Betão? Essa noite ele espera uns bataros aí. Sexta-feira. A coisa da chovendo montão.

- É. Só que é o seguinte. O Fio deu mancada. Disse que querem zerar o Marquinho Fiúza. Sei não. Parece que tá querendo armar pro mano lá. Ligou ele hoje?

- O Fio?

- Não. O Marquinho. Preciso ligar pra ele essa parada. Cê viu ele por aí?

- Nem, mano. Mas isso é foda. Que o Marquinho fez pro Fio dar umas dessas?

- O de sempre. Tá falando das paradas do pó. Querendo fornecer pro Betão. Não disse nada. Falou que não tem nada com isso. É o seguinte, Robertinho, fala pro seu pai não cair na do Fio não, mano. É bem capaz de ele colar agora mesmo no ouvido de seu pai e dizer que vai atrasar a parada. Eu falei pra ele ir lá comigo, mas desconversou. Faz assim, vou ver se acho o Marquinho e ligar pra ele pra ficar ligeiro. Caralho. Sexta-feira, mó dia dá hora e a gente aqui. Era pra eu já tá viajando hoje pro sítio do Guito. Vai rolar um churrasco lá nesse fim de semana.

- É. Faz assim, Tomé. Dá a ideia você mesmo pro meu pai. Essa parada não me envolvo senão ele me enche o saco.

- Falou, Robertinho. Vou dar um pulo lá agora.

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- Que isso, Tomé. Ce tá de brincadeira. Quem te deu essa ideia?

- O Robertinho falou pro Fio que me disse. Mas é o seguinte. Vou ligar pro Betão que treta é essa com você. Você saiu com a ex-mina do cara, Marquinho? Lembra aquela vez? Rolou mó fuzuê.

- Faz tempo essa parada e nem foi assim. Mas é o seguinte. Vou lá ligar pro Betão que parada é essa. Do nada, mano. Agora que tô saindo da boa, depois de pegar uma cadeia. Vou lá dar a ideia pro Betão.

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- Sério? Que porra! Quando foi?

- Faz meia hora, Betão. Passaram o cara, três tiros nas costas, bem lá na Vila Gomes.

- Que merda, Tomé. Não faz nem um mês que o cara estava na rua. Se bem que ele tinha um monte de treta e já vinha jurado faz tempo. Mas e aí, já ligou pro irmão dele? Ele saiu daqui faz meia hora com o Fio. E preciso daquela parada hoje, Tomé. Cola lá e tira na maior. Fala que dou um ágio por ele.

- Certo. Mas aí Betão, você falou que o Fio saiu agora com o irmão do Marquinho Fiúza? Hummm. Você não ouviu um boato aí, que o Fio queria passar o Marquinho por causa de umas paradas do pó que você queria?

- Sério, Tomé? Vi o Fio dando uma ideia pro irmão do Marquinho ali no canto. Nem colei. E depois saíram numa correria os dois, na moto do irmão do Fio. E agora você me liga essa ideia da morte do Marquinho e que o Fio queria passar ele. Se for isso, vai ficar feia a coisa. Mas essa parada não é minha. Vai lá e pega a parada pra mim. Agora é cinco da tarde. Traz lá pelas oito horas. O Fio me ligou que podia embaçar hoje, chegar pela madrugada. Falei pra ele não dar uma dessas. Tem que chegar aqui antes das oito. É você que vai lá pegar o barato com o Fio, não é?

- É.

- Então. Até mais.

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- Caralho, Tomé. Passaram o Marquinho essa tarde, mano.

- É. Não falei. E o pior é que o irmão dele tá pensando que foi você que mandou fazer essa parada.

- Tá maluco, Tomé. Se atravessar de novo nessas ideias te furo.

- Pera aí. Solta minha gola, Fio. Que é isso. Só tô te ligando o que o Betão me ligou. Disse que você saiu com o irmão do Marquinho e que você mandou apagar ele.

- Que porra é essa que você tá falando, Tomé? Falei com o Betão quase agora e ele não me ligou nada. Disse apenas que passaram o Marquinho e que o irmão dele estava me procurando. Só que eu tava atrás do Marquinho com o irmão e nada.

- É o seguinte, Fio. Me solta e vamos lá pegar o bagulho pro Betão. A gente cola lá na quadra e deixa essa parada pra depois. Ei, olha o irmão do Marquinho vindo com o Coquinho de moto.

- Que isso Coquinho, abaixa essa arma, mano!

- Filha da puta! Zerou meu primo agora vai morrer. Vai pra lá Tomé.

- Que é isso Coquinho. Para mano...

- Já era. Toma filha da puta! Toma.

- Vamos, Coquinho! Vamos. Sobe na moto.

- Aê, Tomé. Na moral, hein, mano. Nem me viu.

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- Betão, aqui tá a parada. Três quilos. Você ficou sabendo do Fio?

- Fio, Marquinho, Coquinho, Vitelo, o irmão do Fio, o irmão do Marquinho. Que porra aconteceu, Tomé? Passaram todo mundo hoje. Que merda!

- Só que é o seguinte. Vão passar seu filho também, Betão, e tão falando por aqui que você que mandou passar todo mundo para ficar com todos os pontos. Quem me ligou essa idéia foi o finado Vitelo que distribui pra todo mundo.

- É o seguinte, Tomé. Se alguém me encher o saco nem vou esperar e zero de vez. E é o seguinte, deixa o pó aí. Toma o dinheiro. Quando ver o Robertinho pede pra ele não vir aqui não. Fala pra ele dar um tempo longe daqui. Fala pra ele descer pro litoral e ficar lá um tempo. Dá esse grana pra ele.

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- Não brinca, Tomé. Brinca não, cara.

- To falando Betinho. Apagaram seu pai com três tiros na cabeça.

- Quem foi, mano?

- A polícia. Pegaram ele sem dó.

- Não fode, Tomé.

- É o seguinte, Betinho. Toma esse dinheiro. Deve ter uns cinco mil. Sai fora. Some por um tempo até ficar calmo a parada aqui. Muita morte pra um dia. Some, mano, antes que até você vai pra grupo.

- Falou, Tomé.

- Falou, Betinho.

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- E aí, patrão.

- É o seguinte, Tomé. Você vai passar agora o barato pra todo mundo. Fica com você daqui pra frente e lembra, sem dó nem piedade. Jamais dá um pingo de abertura. Deveu, não pagou, zera logo. Vai servir de exemplo. Vamos começar do zero depois do que aconteceu hoje. Puta que pariu! Nunca vi nada parecido.

- Falou patrão. Deixa comigo.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Último Texto

Último texto. Por hora este será aquele último texto proposital. Amanhã efetivamente começa meu ano com meus filhos retornando à escola. Depois vem o mestrado como aluno ouvinte. Em Comunicação. Já estou lendo. Lembro. 40 anos não seria idade para recomeçar... assim pode lembrar o pessimista. De minha parte, agradeço a Deus de me dar uma nova oportunidade para recomeçar, voltar a ser um pouco do que não morreu em mim (estava hibernando). Não vou parar de escrever, porém. Na verdade, vou retomar para terminar a revisão do meu terceiro livro, "Miguelito: Memórias". Um romance fascinante. Em um sight arrebatador, quem sabe não escreva algo. Por hora, o último texto deve ser assim. Breve. Não rico. Nem nada. Como um bilhete de despedida... Ah, e não se esqueçam de adquirir seu exemplar dos meus livros pelo site www.contossuaves.com.br.

O Amor à Porta

O amor bateu em minha porta. Toc. Toc. Toc.

- Pois não?

- Você me procurou...

Verdade. Procurei. Não sabia o que falar. Fiquei buscando palavras. Toda minha história concentrou-se no tempo presente.

- Posso entrar?

Fiquei com medo. O amor geralmente me traz muitas felicidades. Por outro lado não existe amor sem prisão. Não de minha parte. Meu espírito cresce quando eu amo. Agiganto-me na altura dos meus poucos centímetros. Amar para mim seria liberdade. E o medo de aprisionar?

"Mas eu sempre liberto", sussurrei alto.

- Como disse?

- Desculpe. Sussurei alto.

- O que sussurrou?

- Disse para mim mesmo que o amor para mim não é prisão. Eu sempre liberto quem eu amo. Paradoxal.

- Por que acha que eu estou aqui? Meu amor não cabe em qualquer coração. Coube no seu. Você me chamou e vim. Posso entrar?

Eu quis dizer que ele já estava lá dentro.

No fundo os primeiros raios do sol invadiam meu olhar.

- Sou eu quem renasci...

- Como disse, me interrompeu novamente o amor à porta.

- Você está aí fora, mas para mim faz morada em meu coração há muito tempo.

- Eu sei.

- A porta sempre ficará aberta. Não precisa mais bater.

- Eu sei.

- Por que então não entra de uma vez?

- Na verdade, eu não posso. Não ainda. Você também quem me chamou. Perguntei se eu poderia entrar por educação. Afinal, quem ama cuida, de verdade. Eu sei que você quer cuidar de mim como eu preciso.

- Eu quero. Posso?

- Claro que sim!

- ...

- Preciso ir...

- Eu espero você. Ah, e você me ama também?

- Claro que sim!

Enfim, despertei. Não do sonho. Eu não sonhava. Despertei para a porta que continuava aberta. Sabe o que eu fiz? Tirei a chave. Os trincos. E jamais a fechei. Está aberta. Não bata. Entre. Estou esperando...

Os Sentimentos Existem e é Tudo o Mesmo Calor

O meu sol acordou? Ou ainda no descanso permanece meu sol? A lua me acompanhou à noite toda. Lua linda, que me lembrava de você. Eu sorria para ela sem desespero, embora saudoso. Feliz, porque eu via meu sol, que dormia, através dela, da lua.

A noite tinha escuridão fora de mim. Dentro, meus sonhos eram minha imaginação. Seu sorriso. Seu jeito. Os passos de meu sol, que me ilumina, a minha luz tão silenciosamente apaixonada, os passos por onde delicadamente caminha nosso destino, para nosso encontro.

Reaprendi a amar. Aprendi a amar nos pequenos detalhes de quem me ama. O detalhe do olhar ao lua infinitamente. Meu mundo olhando para mim mesmo no finito. Dentro de mim, meu sol me aquecia porque o amor aquece, dá esperança, nutre, fortalece, enriquece na mesma proporção que ajuda a viver.

Minhas palavras são para reorganizar, poeticamente, a alma e marcar o meu sol, que dorme ainda sob a lua. Marca em meu coração.

Gosto de expressão "Vai por mim!" A pureza prevalece. O bem existe. Vai por mim! O amor cresce. Vai por mim! O sol vem para iluminar e aquecer. Vai por mim! Quero um pouco do calor. Não. Minha alma não congela. Ela irradia. O amor irradia. Do que vale a beleza escondida do mundo? Meu sol dorme. Vai por mim!

Lembra-me Romeu e Julieta:

- Julieta é o Sol, erga-te Sol, diz o jovem enamorado apaixonado pela inocência.

A modernidade chamaria Julieta de Ju, e Romeu seria ofuscado porque homem que ama sempre é culpado na origem.

- Ju, diria o amor, meu sol! Ergue-te para sentir-te amada. A espera é necessária. Quando o coração acelera nem o medo, nem a incerteza, nem o pavor da solidão ou incerteza prevalecerão. A felicidade, que é meu agradecimento, existe na sua forma mais poeticamente pura. Ju, tu és meu sol! Dorme, meu amor. Jovens ou não jovens, os sentimentos existem, que é tudo o mesmo calor. O sol deixará belo. Veremo-nos. Tu és meu sol. Não te ergue agora, porém. A espera é uma virtude. Dorme por enquanto. Se possível, sonha. Não comigo. Sonha com ti mesma porque seria o mais belo sonho. Quando despertar, meu coração ainda estará em ti. Por hora, volto à luz desta manhã. Obrigado lua, por lembrar-me de meu sol. Ju, tu és o sol, nos lembra Shakespeare. Sou a noite querendo entrar em sua luz, em seu dia, em sua vida."

Hoje Falei de Poesia

Hoje falei de poesia. Poesia na sala de aula. Aula de inglês. Lembrei que poesia confunde-se com o belo. Vou colocar o Belo assim. Letra maiúscula. Confundir não devemos.

O Belo faz vertigem em nossos sentidos. Em todos os sentidos. Nos acalma, seja nas lágrimas ou na satisfação de preenchimento. O vazio pode não transbordar. Nós podemos não transbordar.

Geralmente abafamos o que verdadeiramente sentimentos. Não vamos além da nossa proteção emocional porque acredita-se na frieza dos sentimentos que um dia sublima e se dissolverá no ar. Equívoco. Mais belo e digno e saudável é admitir a dor, a preocupação, a ansiedade, a dúvida, mesmo assim persistir. Como propósito firme para a vida, ou para os anos que faltam.

Disse, em minha aula de inglês, que dei aulas por sete anos de literatura. Dos meus 19 aos 21 anos memorizei dezenas de poemas. Entre 1993 a 1995. Longos poemas a maioria. Tinha tempo. Tinha estranhamento. Tinha medo. Tinha uma busca interna sem mapa.

Na poesia e nos poemas e na leitura ia buscando caminhos internos dentro do meu solitário quarto. Ah, e também escrevia. Muito. Centenas de poemas. Havia noite, dois, três, quartro poemas. Perderam-se todos. Restou minha alma em acelerada reconstrução manipulada do que eu fora. Restaram minhas memórias do que eu era.

Por graça, hoje na sala, eu declamei um trecho de um poema de Gonçalves Dias. Um trecho. O início.

Ainda Uma Vez Adeus

                     I
Enfim te vejo! - enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!
        
             II
Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos,
Do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente,
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!
      
               III
Louco, aflito, a saciar-me
D'agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esperança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!

Este poema é longo. Bonito. Belo. Longo. Eu o tinha em minha mente como uma canção. Amo a arte. Sempre fui excêntrico. Hoje sou endógeno. E estou feliz. Sinto-me feliz. Agradeço.

Superar o que somos diaramente traduz-se em poesia. Ela supera e nos supera. A poesia. Estou feliz e pretendo permanecer assim. Na espera não da Felicidade, já que eu  a tenho. Na espera, porém, do Belo. Um dia falei que deixar bonito deve ser nosso objetivo. Eu creio. Eu espero.

Sorria para o mundo. O meu mundo sorri para mim. Eu sorrio de volta. Sem angústia. Quero sempre falar de poesia. Amar minha poesia. Minha poesia. Olhos marejados. Sempre esperança. Minha poesia. O resto é incompreensão manipulatória. O que não é Belo incomoda. Minha poesia.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Esperança: o Amor se Conquista na Espera

A única pessoa que me conhece em minha totalidade e em minha essência é a minha ex-esposa. Olha só. Pedi autorização a ela para citá-la neste post e, claro, perguntei se realmente me conhece no que respondeu:

- Acho q conheço sim.

O "acho" deixa a dúvida porque maldito do homem que confia no homem. Espero que sim. Mas eu também acho que sim.

Somente o tempo pode trazer o outro em nossas vidas em sua totalidade, aprendendo, conhecendo, reconhecendo. Relembro o perigo da carência. Nós entramos na vida dos outros sem realmente conhecer e nos entregamos. É fácil depois reconhecer o discurso do tipo "estava carete e hoje me arrependo porque me sinto preso."

Definitivamente, a calma vai contra a carência; a solidão trabalha justamente em nosso medo. O medo de não ter. Ou não ter mais. Esperar grita abafado em nosso desespero, porém esperar é quase tudo.

Calma. Espera. Eu sou de esperar. Vou esperar. Preciso esperar. De contramão à ansiedade, esperar virtualiza até o amor, o amor que se conquista na espera. Quem não espera, apenas suga, vampiriza. Ou na esperar do tempo mesmo, ou na espera de não perder a esperança.

Olha que eu já tive meu tempo de vida e soube aproveitar relativamente bem. De certa forma, intensamente em meus limites sociais e pessoais. Quando disse "já tive meu tempo de vida" quis dizer "minhas descobertas". Viver é descobrir, tirar o véu, abrir a cortina, enxergar lá fora, o mundo. Hoje mais que vivo. Acho que desfruto.

Aliás, uma outra pessoa me conhece. Me conhece muito. Como? Abri sim minha alma a ela no que ela tem de mais reclusa, sinistra, reservada, escondida. Os detalhes são detalhes. Do contrário, não teria graça. Do que adiante ler algo e que tudo seja claro e sem surpresa. Surpresa positiva encanta. Já a negativa pode estar lá na carência, lembra?

Vou falar. Ter esperança é ter calma. Aos 40 anos vou frutificando pequenos projetos. Este ano é o mestrado, o livro "Miguelito: Memórias", que só falta a revisão e outras coisas já bem pessoais que esta pessoa sabe. E para resumir. A inteligência acelera o conhecer. Para mim, a inteligência vem de tão pequenos detalhes. Pequenos mesmos. Espere, portanto. Tenha esperança. Eu tenho. Preciso ter. Meu lado otimista nesta vida. "Claro que sim!" Exatamente isto: "Claro que sim!"

domingo, 25 de janeiro de 2015

Pegação na Balada: Vazio dos Corpos

Imagine a história que você tem para contar para você mesmo. Não no fim da sua vida. Mas no dia seguinte. Esta história fará de você parte importante do que você é para o mundo dentro de sua cabeça.

Então, apenas isto justifica a pegação desenfreada nas baladas. Dos homens querendo pegar; das mulheres querendo ser pegas. De minha parte? Observo e danço com uma tranquilidade que o corpo exige de um lado para o outro. Solto. Propósito feliz de ser o que sente no tempo e no espaço.

Décadas atrás existia uma maior pureza com o corpo, com a boca, com o toque em nós. Verdade que descobrimos nosso corpo no toque do outro sobre nós. É bom tocar, ser tocado. Na balada, os toques se multiplicam e se perdem, são passageiros que entram e saem. O vazio, por este motivo, persistirá indefinidamente até o próximo toque.

É esquisito. Parece que eles se tornam profissionais para pegar e serem pegas. Nesta divisão sexista. Homens pegam; mulheres são pegas. Cansa um pouco o olhar. E descortina nossa visão machista. Não quero ser machista. Tenho paixão pela harmonia dos desejos. Os meus e o das pessoas. O querer deve ser compartilhado. Não o da conquista nem da sedução. Vontade honesta e recíproca.

Voltando à pegação, o dia seguinte uma história pessoal acaba sendo construída e que de alguma forma parece ser útil e preenche algo na alma. Como um solitário que tapa seus buracos internos na grandeza que considera ao assistir a um filme, ir a um teatro ou mesmo escrever uma reflexão.

Fui uma vez a esta balada. Acompanhado. É bom. Gostei sim. Desta vez fui sozinho mesmo. Bebi. Cantei. Dancei. Imagine quantas obrigações temos! Quando quero, eu vou e faço. No mínimo, posso não gostar. E no fundo a experiência de estar sozinho (sem conhecidos) cercado de pessoas (ou todas) que tem um conhecido para servir de apoio emocional e tirar o peso da solidão, esta experiência vai aos poucos sendo divisor de águas e fortalece muito o seu emocional. Como, por exemplo, início de festa, e ficamos tímidos pela formalidade, e término de festa, satisfeito pela liberdade e às vezes libertinagem.

Definitivamente estou no mundo e agradeço estar. Mas o mundo não me pertence e nem bocas, mãos, sedução efêmera alheias. Domingo que vem farei trilha. A natureza e seus toques em meu corpo me permitem ser mais o que quero. Já na balada, deve dar uma deprê no dia seguinte. Ser tocado sem sentir sua essência: no mínimo constrangedor; no máximo, desespero.

sábado, 24 de janeiro de 2015

O Desapego do Passado (a dor)

Desapegar do passado? Sofra. Não porque o melhor remédio e a única solução. Porque desta forma não jogará todo este sentimento no seu inconsciente, reprimindo-o.

Ah, chore sempre que possível e por vezes arrependa-se. Dê sua mão à solidão, abrace a vontade passada, bata nas costas da saudade, chame a tristeza para um papo sem palavra e sofra com estilo. Mas, claro flertando com a dor como fosse sua única amiga. (Que horror!).

Amigos podem viver muito bem ao nosso lado, ainda que nos façam sofrer. Ainda mais amigos que amamos ou que amávamos e viraram amigos. Eu que ironicamente nunca acreditei na amizade entre homem e mulher! E hoje creio.

Devemos crer na dor como uma amiga para cuidar da mesma forma que cuidamos de nós mesmo, ainda que não nos amemos na dimensão que deveríamos.

Cuidar de nossa dor, alimentá-la até, paradoxalmente, nos desapegará do que está em nós sem mais a permissão de estar. O desapego é tirar o que não nos pertence mais e permanece enraizado lá no inconsciente. Existe melhor definição para a dor emocional?

Algumas vezes, como desta, sou proposto a escrever sobre algo. Uma amiga minha que está no exterior pediu. Desapego. Eu gosto disto. Desafio. Eu peço a alguém um tema sobre o qual gostaria de ler por vezes. O escritor, afinal, que fala de si mesmo é como um pano molhado na chuva. Nem seca, nem é pano. Só absorve e encharca. E dá trabalho depois. Desapego. Seja a dor, a saudade as mãos e você o pano molhado. Deixe que terça você.

Bom. A dor. O sofrimento. A solidão. A saudade. Tudo que corroi deve existir como uma doença que precisa de tratamento. Tratar. Cuidar. Dar atenção. Admitir. Dialogar. E como é difícil. Não é dor de dente, porém. É dor na alma. Não se arranca. Cuidamos dela. Ela vai se sentir amada, querida, adulta e quando menos espera, deixará você. Sério? Os psicólogos aceleram o processo. Os medicamentos anestesiam. Já minha solução é a do escritor. Paciência. Conformidade. Tempo. Aceitação. Resignação. Estoicismo. Leitura. Vida. Existência. Agradecimento.

A chave está aí. Ser grato. Para quem pode. E para quem realmente acha que aguenta.

Excesso de Felicidade

Excesso de felicidade não é bom. Primeiro porque quando a pessoa vive excessivamente feliz, ela perde muito sua capacidade de julgar corretamente e, segundo (o pior!), ela vê sua felicidade como algo pessoal, sem o sacrifício ou dedicaçäo ou entrega de alguém, que lhe proporciona a sensação de felicidade.

Tive este insight agora pela manhã, passando pelo estacionamento do Extra aqui na Av. Brigadeiro. Claro que nenhum insight surge do absoluto nada. Como já disse. Dentro de nossa cabeça um universo de imagens e sensações aparentemente desconexas buscando nascer em sentidos. Ficam saltando, forçando, empurrando, tentando romper os limites do corpo sensitivo. Uma hora salta para o consciente.

Voltando ao excesso de felicidade. Entristece meu coração. Não quando uma criança vive extremamente feliz. Isto bem provável reflexo dos pais, avós, família. Criança feliz; criança saudável.

No adulto, a felicidade se confunde com a alienação, por este motivo. Não me espanta algumas decisões tomadas por adultos pela felicidade. O arrependimento será inevitável. O que há de se fazer? Pouca coisa. A realidade envolverá a pessoa aos poucos e o passado criará o que antes não existia em seu coração: saudade. E da saudade a amargura. Do doce libertador ao amargo aprisionante...

Certa vez ouvi de uma pessoa, que ouviu de uma outra pessoa:

- Não deixo ninguém atrapalhar a minha felicidade.

Alienada? Não! Consciente. Ela sabia que não era feliz sozinha. Ao contrário. A sensação que ela vivia da felicidade vinha de fora, do cuidado, da atenção, do carinho, da proteção, dos planos, da dedicação. Ela não se sentia suficiente. Ela não era excessivamente feliz. Era apenas feliz.

Meu "eu" nunca foi excessivamente feliz. Me incomoda pessoas assim até. Posso dizer que sou pleno. Pleno de mim, o que não diz muito. Feliz, porém. Meus vazios não são buracos. São de fábrica. A filosofia, a arte, a natureza, meus filhos e acima de tudo Deus (não me sinto bem usar o nome de Deus em vão; prefiro que as pessoas sintam Deus em mim) preenchem meus vazios. Por isto sou pleno. Por isto sou feliz. Não excessivamente. O suficiente até por gratidão.

Jamais. Jamais tome uma decisão envolvido na felicidade que aliena. Do sim ou não. Do para sempre ao nunca mais. Do não quero mais ao quero sempre. Pés no chão. Por isto aprendi a amar pessoas pé no chão. E por isto que eu amo... Amo. Muito. Amo muito a pessoa única que tem os pés no chão.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Ser Inocente

ONTEM matei uma saudade. De quebra, descobri que tenho algo de inocente. Segundo ela, uma inocência positiva. Insisti que não. Não sou inocente. Ser inocente tira a visão futura das consequências dos seus atos; ser inocente não o conecta ao passado para supor e reconstruir as possíveis causas; ser inocente cega as subliminares intenções e mensagens do presente momento, às vezes bem escondidas, até inconscientes.

Inocência, própria da infância, da adolescência em alguns aspectos e de uma eterna ingenuidade a qualquer idade.

Deixei lá em minha cabeça a ideia. Matava aquela saudade e refletia sobre a inocência. A Idade do Ouro quando viveram Adão e Eva antes da queda. Conhecida como Idade da Inocência. A Queda, consequência da desobediência, fez com que ambos, Adão e Eva, vissem a nudez um do outro e suas malícias, suas intimidades, seus segredos. Descobrir-se nu amadurece; na nudez perdemos todo pudor.

O corpo nu. Sem pudor. Próprio das crianças e suas inocências.

Refletia em minha inocência. Eu dirigia. O pensamento solto mesmo. Eu não sou inocente. Em que fui inocente?

Tanto pensar, indaguei se não fora minha saudade. Esta minha saudade, que matei ontem, viu-me inocente. Algum ato falho? Ela é inteligente. A inteligência me desmorona. Fico refém mesmo. Ah, e como sei que matei a saudade? Quando uma pessoa faz bem só por estar ao seu lado o presente se justifica. Matamos a saudade.

De repente, foi isto mesmo. Minha saudade, minha felicidade, o sentir tranquilidade e satisfação. Tive lampejos inocentes? Lampejos de criança feliz? Provavelmente.

Também provavelmente, eu não sou mesmo inocente. Prefiro achar que sou respeitador. Jamais ultrapasso o limite. Nem que todas as evidências possíveis existam. Se meu coração não sentir a falta de ambiguidade, dúvida, hesitação, inseguração, prevalece a minha inocência. Isto porque amo a entrega, porque a entrega é a confiança e a certeza.

Não sou inocente. Mas posso estar inocente. Amei isto.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O Erro de Ser Igual

Não permita-se. Do erro. Erro comum. O erro de ser igual. Ser um dos modelos encaixados no mesmo perfil replicante. Sim, eu sei! É mais fácil, cômodo. Ser igual e reproduzir-se igual. O desafio diminui. Gasta-se menos energia. Equilibrá-se na divisão infinita das partes. Ser comum aproxima os comuns e afasta os incomuns.

Ser igual somente conforta quem se dá bem com o anonimato, ou com a segurança porque desaparece na multidão. A multidão encobre, suga, deixa seu eu numa patética forma acabada de linha de produção. Particularmente, isto sempre me incomodou e me incomoda ainda. Faço-me por fora um comum. Por dentro são estas palavras incomuns que chegam a assustar, surpreender às vezes, causar algum cansaço, provocar dissintonia, mas também acalmar os não comuns.

Uma amiga querida minha que aliás não fala mais comigo, e que eu a conheci quando ela tinha seus pueris 13 anos, e que por sinal fez a Apresentação do meu primeiro livro, certa vez, em 2006, descreveu-me assim:

"Ele usava barba quando nenhum jovem da idade dele. Ele arriscava a Hering branca quando os mocinhos variavam a cor da pólo. E talvez ele até não fizesse questão do banho diário… Enquanto os outros usavam gel no topete e nas espinhas para secar. E o discurso dele de outrora, uns 10 ou 12 anos atrás, era aquele abominável pelos seus iguais, salvo uma ou outra adolescente que caia de amores pela sua lábia erudita com um “tchan” de Che Guevara. (...) Olho para eles e vejo aquele meu amigo que era assim quando ninguém o era. E olho para esse meu amigo – que na verdade faz tempo que não vejo – e hoje não usa barba, nem faz tantos discursos socialistas, e toma banho todos os dias. Provavelmente ele não tenha abandonado a poesia nem a literatura, mas, na mesma proporção, provável que tenha dado espaço a outros discursos no lugar daqueles que não visavam colocar comida na mesa para uma família de quatro pessoas. Tem horas eu sinto que tanto ele, quanto eu, temos saudades daqueles tempos e, por vezes (várias vezes) queremos agir como se ainda estivéssemos naqueles dias… e acabamos sendo tão ridículos e felizes pelo sentimento da saudade inevitável. Tem anos que não o vejo, e acabei perdendo o contato e a paciência com ele… pode ter sido pela perda da barba de Sansão, que tanto me encantava." -Renata Oliveira.

O mundo nos tende a tornar comuns. O mundo tem outras opções, porém. A opção existe em ser comum por fora. Por dentro, diferente, autônomo, desigual, tendo prazer com o vinho pelo vinho, do cinema, pelo cinema, dos estudos e leituras, pelos estudos e pelas leituras, das amizades pelas amizades que nos fazem sentir quem somos e não mais um homogeneizado. Ser comum é fazer dos prazeres meios para nos tirar da solidão e da carência. Ser incomum é sentar com a solidão e com a carência, agradecendo pelas pequenas boas coisas que o enriquecem.

Meu espírito sempre foi este. Não sabia dentro de mim isto e somente o tempo encarregou-se de ir lapidando, com muito sofrimento necessário (aquele desacordo entre a alma e a vida externa) e a felicidade, que para mim foi sentir os meus próximos felizes. O erro em querer ser igual à multidão é que "a multidão é um monstro sem rosto e coração". (Racionais).

Exato. Ouço Racionais MC. Não para pertencer à multidão. Tudo que faço é pelo prazer de fazer aquilo. Consigo sentir a verdade do momento e espalhar a essência de minha própria verdade. A minha. Não a da multidão.

A Ternura

Convenhamos. A ternura encanta qualquer coração. Inclusive a palavra em si pertence à sonoridade de uma poesia: "ternura".

Seria um belo nome de uma flor. Fosse um doce, as ocasiões seriam festas sublimes. Esta palavra nomearia muito bem um best-seller ou uma comédia romântica. Fosse uma personagem mitológica, a mais querida seria e possivelmente a mais afável entre os próprios deuses e herois e humanos. Tudo "Ternura".

Eu amo a ternura. Não digo que seja natural, do tipo quem tem, tem e acabou. Há muito da pessoa alí na ternura.

Mesmo assim, adquirimos o dom de sermos ternos com o tempo. Haja vista as avós, os avôs, e que gastam assustadoramente tanta ternura com os netos. Não se sabe se para reconquistar o amor do filho, ou se por causa da morte que ronda, ou do cansaço e desapego das paixões humanas que escravizaram e insensibilizaram.

A paixão nos torna insensíveis e escravos. Não o contrário. Por isto, os pais dos nossos pais modelam minha primeira perspectiva de ternura. Avós são ternos com os netos.

Há a ternura incondicional da mãe para o filho pequeno; a resposta terna dele para ela. Há a ternura instintiva dos bichinos de estimação com seus donos. E claro dos animais entre si, que podemos chamar de cuidado e não ternura.

Porém, eu amo a ternura do silêncio, que se entrega sem machucar o outro, sem agredir. Uma ternura de gestos, sem o desespero da dependência. Se existe dependêcia, vamos falar de carência. Quero, entretanto, rabiscar e desenhar a ternura do tipo: serei seu, serei sua, somente se você quiser, sem que haja qualquer dúvida do acolhimento terno da paz e do belo na troca igual; cobrarei seu acolhimento se isto lhe trouxer o bem, o bom, o saudável, o bem-estar. Esta ternura...

Não à sedução. Iludir-se para colocar os pés exatamente em que lugar? Caminhar passos alheios por medo da solidão e da carência? Nada disto! Amo a ternura por este motivo. Ela não deixa de ser uma sedução natural, expontânea, e aí sim muito própria da pessoa, que desta forma, sempre se sente amada. Ela seduz sem saber que assim o faz.

Definitivamente não sou terno. Dou-me bem com o Shrek, meu ideal de ternura e do homem que não sou. Nisto cobro meu coração para não deixar seduzir-se (ele não vai!); nem encantar-se (ele não vai!); nem enamorar-se de ilusões (definitivamente não existe tal chance!).

A ternura do silêncio é tudo. Num estado mais avançado (o que eu amo!): um diálogo terno e carinhoso de inconsciente para inconsciente. Existe e é sublime. Existem ideais. A experiencia reflete o que somos e queremos ser. Ser terno. Receber ternura. O resto? Ilusão. Egoísmo. Fraqueza. Um pouco de falta de amor. Carência...

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Atos Falhos

1991. Primeiros dias no primeiro ano do colégio. Eu estava com 16 anos então. Faria 17 em maio. Dois anos trasados. De algum modo me eu compensaria posteriormente.

E nesta época, a canção que não saía de minha cabeça é a mesma que meu filho Pedro, 12 anos, ouve agora no quarto, desenhando (foto). A canção é "Patience" dos Guns and Roses. Muitos conhecem, ainda que poucos tenham vivido o auge da banda.

Há um assovio inicial esta canção. Eu fiquei meio que marcado por duas amigas orientais, a Lucia e a Regina, porque distraidamente eu sempre assoviava esta melodia.Tivesse a consciência que tenho hoje, eu saberia que era meu ato falho, ou seja, um mecanismo inconsciente para distrair pensamentos que eu queria que ninguém percebesse.

Os atos falhos possuem basicamente dois propósitos: tentar esconder das pessoas ou tentar revelar para as pessoas. E creia: somos a todo momento atos falhos.Percepção é algo parecido. Ler as intenções indiretas também. Por isto sou fã de um livro muito interessante cujo nome é "Por que mentimos?". Oras, se não for doença, isto é, anormalidade, mentimos porque muitas vezes queremos que as pessoas descubram a verdade. Acabei de falar dos atos falhos, desta tentativa de comunicação do inconsciente. Portanto, refiro-me à mentira da ajuda, do socorro, do desespero, da leitura ao contrário... (eu leio os atos falhos rapidinhos). O livro a que me refiro é leitura obrigatória para todos que vivem de vendas. Não para mentir. Para ler os mecanismos de mentira (atos falhos) de quem quer comprar.

Qual, então, era o ato falho que em 1991 eu no fundo queria esconder dos outros alunos? Em resumo: o desconforto de não me sentir igual. Eu havia feito supletivo (em seis meses como fosse um ano) da quinta série à oitava. Sentia-me velho diante da maioria. E outros problemas pessoais que, aliás, já narrei alguns no meu segundo livro.

O bacana de saber onde e como caminha seu inconsciente mora no conforto daquilo que você realmente busca no mundo como propósito de vida. Ah, propósito de vida! Quem não o tem? No ápice de minha incompetência para ser aluno de escola pública (repeti quatro vezes), tive ainda tempo e a misericórdia de adquirir vocabulário e estilo para escrever como obfaço. Meu propósito totalmente consciente para escrever. Claro, as palavras serão lidas, julgadas, admiradas e condenadas até. Só que o autor vai junto. Um erro.

Seria verdade confundir o autor com o que ele escreve se fossem atos falhos seus textos. A grande maioria, que tem consciência, porém, não é ingênuo para escancarar de modo inocente sua alma sem saber por onde e como anda seu inconsciente. No momento da canção "Paciente", eu voltei 24 anos. Exato. A sensação inteirinha em meu coração. Foi bom. Muito bom. E neste "bom" existe um turning-point sobre o qual eu já escrevi... Já escrevi, mas que Jung e nem Freud captariam agora. Por quê? Ah, eu sou danado quando tentam invadir a minha alma... Não. Não permito.

Permito revelar o que vale. Vale muito olhar para seus atos falhos e admitir que os tem. Quem tem não percebe. Pode perceber. E se perceber terá um alívio, ua epifania enorme. Bons. Muito bons atos falhos.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Experiência. De tudo.

Às vezes pensamos que é para o mal. Não é não. É para voltarmos e olharmos com os nossos próprios olhos o que (por preguiça ou inocência) estávamos deixando os outros olharem por nós. Aí quase cegos, turvados, opacos ouvimos de cabeça baixa, olhos presos ao chão. Rapaz. Vergonha mesmo é retornar para você mesmo de onde você não deveria ter saído, e se saiu foi pura maneira fácil de fingir ser o que definitivamente não era. Por tudo, valeu a experiência. De tudo.

Reprimir faz mal

Um homem muda muito em uma semana. E radicalmente em  alguns minutos. Particularmente, estava reservado com o mundo, com as pessoas. É bom preservar-se sentimentalmente. Preservando algo, que seria importante a longo prazo. Pensar a longo prazo é das virtudes de que tenho orgulho. Porém, o mundo, as pessoas e a ansiedade está no instante dos segundos, e quem não quer valorizar o instante? Quem? Meus filhos sempre em primeiro lugar, algo que não me vejo abrindo mão. Por Deus! Filhos são nossa maior herança. O resto? Sou uma pessoa de sentimentos. Intensos e contagiantes. Fui convencido a intensificar meus sentimentos e compartilhar em verdade com as pessoas. Não mentia, mas me reprimia. Por Deus! Reprimir faz mal ao coração e deve ser contra a natureza das emoções. Um enorme beijo aos corações presos na liberdade.

SEDUÇÃO

Olha que louco. Louco no sentido de não comum e que eu acho belo.

Há diferença entre Sedução e Relação em um relacionamento. Você seduz. Você se relaciona. Li sobre isto hoje de manhã. E incrivelmente a conclusão psicológica é que na sedução (porque somos enganados) descobrimos nossa vida individual, nosso eu, nossos limites, fraquezas, angústias etc.

Ele afirma que a maioria das pessoas seduzidas tendem ao sofrimento e a dor justamente pela enganação, fantasia, ludibriação. Não é difícil perceber por quê.

Não tenho a mínima ideia do que é ser sedutor. Claro que já fui seduzido. Mas já me chamaram de encantador. E admito que parece verdade. Gosto de encantar porque o encanto não é engano, nem mentira, nem falsidade, mas inocente admiração pelos pequenos detalhes de cuidado e carinho. Uma pessoa encantadora não seduz, ela expande-se internamente no coração do outro com verdades simples e belas. Por isto encanta.

Minha tese é que ser feliz em um relacionamento depende sempre do belo, do bonito nos pequenos cuidados e gestos.

Seduzir. Relacionar. Encantar. Encante o outro preocupando-se verdadeiramente com o outro. Com ela. Com ele. Com quem você quer como amor de sua vida.

COMPAIXÃO

Notaroberto: A palavra compaixão traduz bem o limite de alguns seres humanos. Compaixão tem a ver com misericórdia, com dó, com pena, com "coitado", "tadinho" etc.

Gosto muito dos sentidos das palavras. Compaixão vem de paixão, e paixão tem a origem em sofrimento. Paixão tem a ver com passivo também, dependente, refém. Uma pessoa apaixonada é passiva, sofre, depende do outro, é digna de dó, de pena, de coitada, de tadinha.

E está aí a dificuldade. Compaixão tem seu oposto na raiva. Não é bom ter raiva no coração. Particularmente, não consigo. Raiva implica vingar-se, desejo inconsciente de vingança. Não me vejo vingativo. Não parece bom. A vingança luta para a frustração, para a derrota, para o arrependimento do outro, prostração, aniquilação, sofrimento etc.

Pessoas felizes aborrecem menos. (Olha as fotos nas mídias sociais que sempre nos lembram disto!) Ficam mais alienadas, verdade. Felicidade é afastar-se de toda preocupação. Toda felicidade suspende a realidade de nós mesmos. Na felicidade não nos reconhecemos bem.

Voltando à palavra compaixão, com ela podemos separar as pessoas. Há pessoas insensíveis, frias, que blindam-se para seguir com a cabeça erguida, sem dó; há pessoas que olham para o mundo e sentem dó, pena, compaixão de todo sofrimento alheio. E há o indiferente que tem a mesma função social da pedra dentro de uma caverna escura.

Ser insensível me parece não ser do ser humano, porém; mas sim de uma sociedade consumista, imediatista, do dinheiro que compra as vontades fora da gente. Como diz Mano Brown: "E quem não quer chegar de Honda preto, em banco de couro, e ter a caminhada escrita em letras de ouro?"

Há quem tem compaixão de quem vive para isto; há quem só pensa nisto e, de modo frio, não tem dó absolutamente de nada. Nada. Parece ser divertido tudo isto. Enriquece a mente. E temos motivos para discutir a realidade.

domingo, 18 de janeiro de 2015

F. K. - carinho a uma sensibilidade

Há pessoas cuja essência é toda de percepções. Distorcidas, verdade. As percepções distorcidas revelam a arte na sua essência. Estas pessoas vivem de arte. Fazem de uma linha reta a base para o mar revolto. Seu olhar sobre o mar. Seu olhar sobre a linha.

Quando damos vida ao todo, que importa as partes! Percebemos o todo e com ele nos contentamos. Volto agora àquelas pessoas cuja essência distorce a realizade do seu jeito artístico. Para elas o todo não diz nada, senão as partes.

Eu conheço superficialmente os Impressionistas, Expressionistas, Surrealistas, Cubistas e toda aquela moda européria para distorcer a alma que via a arte. O mundo vivia em guerra. Em guerra vivia a alma. A arte sobrevivia tal como a barbárie humana.

Então, conheci uma pessoa assim. Seu olhar, sua alma, sua essência captam a beleza que parece apenas sua, mas que hipnotiza os também sensíveis. Sua digital. Ela aplica seus padrões indo além. O mais gracioso: é lindo. Agrada. Me agrada. Agrada-me.

Eu escrevo. Meus pensamentos vem confusos. Com distorção de meus pensamentos, eu devo colocar tudo em ordem nas palavras (eu não posso vir de poemas complicados; a poesia deve ir direto à alma, como a música.)

A sensibilidade apaixonante desta amiga distorce para despertar nossa visão. Despertou-me sobretudo porque ela deve sempre colocar o coração. Que ninguém se engane: dialogamos profundamente com o coração. E não vem de carência! Estou falando de essência e não de vazio.

Olhar o Belo com Nossos Olhos

Para quem gosta do Saber, existe um diálogo escrito há 2400 anos. O nome é "A República". Foi escrito por um filósofo grego chamado Platão. É bem famoso. Nele se narra o tal "Mito da Caverna", e foi nele que surgiu a ideia de "Amor Platônico".

(Antes de continuar, considere o positivo. Hoje é domingo: pé de cachimbo. Amanhã é segunda onde tudo se reinicia. Focar no positivo é valorizar alguns minutos em uma breve leitura de alguns parágrafos. Continue. Sentir-se-á bem melhor ao terminar.)

Naquele diálogo, o início é bacana. Duas pessoas conversam. Um senhor bem idoso e rico, Céfalo, e o filósofo Sócrates. Conversam sobre a felicidade na velhice. Céfalo se considera muito satisfeito. Sócrates provoca perguntando se esta felicidade não vem da sua riqueza. E Céfalo retribui afirmando que há pessoas com menos riqueza e tão satisfeitas quanto ele, como o contrário: pessoas muito mais ricas, porém amarguradas.

Hoje sinto-me uma mistura de Céfalo (velho feliz) com Sócrates (filósofo provocador). Não sou tão velho, nem rico, nem tão filósofo, mas com uma certeza de que aumentei, nos meus limites, as fronteiras de meu coração atingindo alguns outros corações. Não para aprisioná-los. Para libertá-los.

Neste sentido, as pessoas: alunos, leitores, amigos, filhos, parentes, desconhecidos terão o meu melhor: fazer voar, dar asas fortes, porque bem treinadas com as provocações, para voar distante e alto. Quer coisa melhor do que a força para prosseguir? Quer algo melhor?

O domingo hoje está lindo. Minha verdade, porém, mora na beleza de dentro para fora. Olhar o belo com os nossos olhos, que projetam nossas almas, quem somos, o que queremos ser, olhar o belo.

Pensar positivo é fundamental por isto. Parte de dentro para fora. Sempre. A preocupação, claro, nos limita. Mas limitar-se deve fazer parte. Como o velho Céfalo, eu agradeço, e como filósofo Sócrates, eu questiono, e com os meus olhos, eu revelo minha alma para outras almas.

Bom. Muito bom poder despertar com um toque diferente. Eu sei. Eu sei. Para poucos. Alguns. E faço dos poucos a totalidade do meu agradecimento. Não canso de falar obrigado. Uma das coisas que até me torna muito chato com as pessoas. Agradeço sempre. Sim! Minha alma. Meus olhos refletem minha alma, e minha alma é de gratidão. Para você, muito obrigado. Exatamente para você! Muito obrigado por tudo.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Já que a dor é inevitável...

Todos temos uma forma de machucar quem amamos. Ferir corroi as fronteiras do coração. Creio mesmo que nosso inconsciente age para fazer doer as fronteiras do coração do outro.

Na dor não esquecemos com facilidade a origem, não esquecemos a fonte da dor, quem machucou, ainda que a dor em si possa desaparecer. Não quem a fez. Ah, dá-se o nome perdão esquecer quem nos feriu.

O paradoxal é que na felicidade e na alegria existe uma potencial dor. Do mesmo modo, a alegria nos fará sofrer. Por quê? Um dia nos lembraremos dela, da alegria pueril e compartilhada. As lembranças, quando boas, podem ate machucar também. Dá-se o nome a isto saudades.

Difícil compreender que no fundo quem machuca apenas se defende. Refiro-me especificamente a quem ama. Ou apenas gosta, mas não tem a pessoa.

Não creio, porém, na necessidade desta dor, na necessidade de projetar esta dor. Não creio no sofrimento desta natureza. Se somos nossas memórias, quando lembrarmos quem somos será normal recordar aqueles quem fazem ou fizeram parte de nós.

Definitivamente, de um modo geral, as pessoas são nossos paradigmas, nossos modelos, e devem fazer parte de nosso crescimento.

Não vou discutir a necessidade da dor, da angústia, do sofrimento. Já li muito sobre estes temas, que são essenciais para estruturar o íntimo de nós mesmos.

Escrevo para traduzir e não para mim. Ao escrever torno-me tão leitor quanto qualquer outro que pensa sobre o que lê. As palavras são dos leitores e quase nada resta do autor aqui. E, por fim, creio que no mínimo um texto desta natureza deve incomodar. De modo construtivo. Edificante. Vivo.

À felicidade já que as dores serão inevitáveis...

Amor e Carência

Sempre o amor, que une. Eu tenho medo da carência. Pense em seu coração se o seu sentimento está na carência ou no amor. Ambos fazem as pessoas se aproximarem. Você se aproxima das pessoas por ambos. E elas de você. Ambos fazem as pessoas se entregarem. E na entrega o mundo se revela. Ambos até fragilizam, e prostram, e enfraquecem, e emudecem, e fazem da escravidão um grito de clemência e ajuda. E qual é uma das diferenças entre tantas do amor e da carência, então? Quando confundimos no peito o que sentimos de verdade?

A resposta simples e direta: os planos. No amor planejamos com vontade a vida a dois: sair para coisas pequenas, cuidar realmente na febre da gripe, viajar sabendo do dinheiro contado, morar juntos para crescerem, até às vezes compartilhar a mesma escova,  o banheiro porta aberta, o desconforto estomacal com aqueles grunhidos esquisitos como sinfonia, andar feio, descabelado, e sentar para um filme sozinho no Telecine. Infinitas as hipóteses dos planos do amor. No amor visualizamos o outro saindo ou chegando do trabalho. No amor o ciúmes está no cuidar, querer bem, deixar o outro sempre jovem literalmente. Nada no mundo nos jovializa tanto quanto o cuidado do outro sobre nós. Há, porém, quem ama cuidar mais do que qualquer outra coisa. As mães e pais zelosos compreendem. No amor o que impera são, portanto, os planos. Nisto identificamos o amor e quem nos ama e quem amamos.

Carência? O que falar dela? Ela é amiga do vazio e do nada. Buscamos no outro o nosso vazio ou o nosso nada. Não é bom. Isto não é nada bom. Às vezes sinto-me carente e creia: amaria substituir estes momentos por planos. Ah, e admito em meu coração. Algo como "me abraça que logo o nada some e o vazio desaparece". Não vale muito focar na carência.

O que todos buscamos no outro é no fundo o amor. E para ser mais claro, o que todos buscamos no outro são planos compartilhados com as virtudes, os vícios, as santidades e os pecados dentro de cada coração humano.

Sei que o julgamento é um conjunto interno de hipóteses que criamos, principalmente quando estamos envolvidos emocionalmente. Todo julgamento é uma acusação e falta de amor. Não julgamos com a razão, já que julgar é condenar. Há momentos em que as palavras dizem o que devem dizer. E digo Amor e Carência são a mesma coisa, mas com finalidades diferentes. Se eu amo, eu quero planejar minha vida com a pessoa; se eu só estou carente, quero dialogar com meu vazio e meu nada emocional. Eu prefiro amar. Ame. Mesmo porque se você amar a si mesmo, terá sua vida pessoal cheia de planos com as virtudes e os vícios intrínsecos. É natural. Só uma questão mesmo de escolha: escolha amar...

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A Família Bélier

Gosto do simboslimo. O símbolo é um signo com força coletiva, que une um grupo de pessoas. O filme 'A Família Bélier', particularmente, para mim, encantou-me pelos belos símbolos, o que serve para muitos, porque nos símbolos não sentimos o que apenas nos pertence. Nossa mente vive de arquétipos.

Primeiro, Paris. Nunca fui a Paris. Mas mesmo em toda a minha ignorância periférica (cresci na periferia de SP), eu sei que Paris deve ser a cidade que qualquer mulher de bom gosto, para amar a própria vida com orgulho, sempre sentido-se bem e viva, deve conhecer. De preferência na maturidade intelectual, emocional, com perspectivas abertas para ser livre dentro e fora de sua cabeça. E o bacana: Paris é uma cena de uns 5 minutos. Curtinha mesmo.

Outro símbolo forte e caro para mim: a filha. Nossa! Está aí algo que me transcende como ser humano. A filha que canta. Sou pai de três. Por razões íntimas, a filha em uma família me prostra como pai. Nada de detalhes, porém. Milha filha é a minha terceira parte do que sou.

E, por fim, a música. Logo eu que sou analfabeto musical, tenho no coração uma maquininha de fazer dos belos sons sentimentos que deslizam em lágrimas. E vertem abundantemente. Minha alma facilmente dialoga com as sonatas para violoncelo de Bach, ou com a ópera La Traviata, ou sonatas para piano de Chopin ou Beethoven. Imaginem que já comprei um piano para minha filha, violões para os dois e um violino para meu filho.

Como chorei neste filme por estas simbologias. Como disse: símbolos porque são arquétipos e valem para que tem estrutura psicológica para receber.

Vale muito assistir. Como todo filme alternativo, 'A Família Bélier' é uma história simples. Nada de bem contra o mal (maniqueísmo). Nada de sacrifício extremo, provocando lágrimas forçadas. No meu caso chorei pelas simbologias. O início énum nada diante do que assistirá, e vai crescendo... Há uma cena particular com muitos risos; e uma outra cena bem literalmente sensitiva: ah, claro! De um pai surdo, uma garganta, um canto, uma noite... Chorei e gravei o áudio. Para saber tem que ir ver.

Indicaram para mim, indico a todos agora. Por hora vou terminar minha cerveja Paulistânia num simpático restaurante espanhol, Sacho, onde sempre dou uma parada depois dos filmes que assisto aqui na Augusta.

Esmeralda Pergher

"Acabei de ler. Parabéns. Cada vez tenho mais orgulho! Você é muito mais que um escritor. Um poeta, um filosofo, sensível e tem o dom de colocar seu pensamento de uma forma clara. Li seus pensamentos literalmente."

Esmeralda Pergher

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Aprenda com os amigos

Quem tem razão em alguns momentos de nossas vidas são os amigos que nos falam despretensiosamente sobre algum problema pessoal que vivemos.

Geralmente estes amigos usam poucas palavras porque são o mais direto possível. Estranhamos até a sinceridade da opinião, que mais parece uma ordem pela naturalidade.

Eu gostaria de ouvir e aceitar com mais rapidez algumas opiniões de amigos. Como tenho controle aparente de meus pensamentos, ideais e valores, o que inclui alto grau de sacrifício, eu inclino-me para não radicalizar. Esperar. Exato.

Impressionante. Meio que sinto a avalanche emocional do outro destruindo toda minha certeza e rendo-me caso eu radicalize. Talvez porque todos morremos um pouco todos os dias, eu acabo alimentando em mim a fé de que a dor quem sente sou eu e não o próximo. Posso fazer sofrer, mas a tortura interna em mim não se compara...

Tão logo eu me separei há um ano, eu deveria ter feito aquilo que todo homem normal faria. Sair de casa. Buscar meu espaço. Investir no meu conceito de liberdade e fazer das vidas separadas o único ponto em comum: os filhos...

Fui orientado por uma destas amigas. Porém, eu a ouvi o menos do que deveria, embora tivesse concordado com tudo o que ela falara. O sentimento do sacrifício gritou em mim tão logo comecei a pensar no tal do sacrifício. E a verdade é que o ato de se sacrifcar é quase um dom pessoal, mas sem misericórdia alheia para quem não a tem. A frieza impera em muitos corações. Seu sacrifício é na verdade um interesse alheio.

Tenho vontade de deixar claro os motivos deste post. No fundo me sinto bem em escrevê-lo. As pessoas lêem e vão deduzindo, refletindo, criando hipóteses, sendo que a verdade está naquelas palavras diretas e sinceras de nossos amigos. O resto são opiniões do que achamos...

Sou um homem livre em todos os sentidos buscando mentes livres em todos os sentidos. A liberdade cansa, mas quem a tem se apaixona por ela. Como as palavras de nossos amigos persistem internamente, vou evocar minha amiga querida. Evocar internamente e fazer viver fora de mim. Aprendemos. Aprendi. Meu inconsciente me dizia que era o que me faltava na verdade. Mais do que nunca, o mundo para a vida. Para como finalidade.

Vou agradecer a esta minha amiga assim que possívem.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Apaixonante para a maioria

Numa arrogância sem proporções, eu sempre advirto às pessoas que se aproximam de mim que o tempo me transforma em alguém apaixonante para a maioria. Muito porque a intimidade a dois me dá a vantagem do domínio sobre as palavras. Liberto-me assustadoramente. Já teve a chance de viver com alguém com alta dose de liberdade intelectual e auto-estima?

Como sou algo que sempre tem o que dizer sobre relaciomentos humanos, devo admitir que encanta quem pouco ouviu...

Que arrogância. Prepotência. Auto-estima. E o "se acha"! Já ouvi muito o "você se acha".

Eu me acho nos detalhes. Quem se preocupa com os detalhes tem a vantagem de se satisfazer com pouco. Até pouco carinho, pouco amor, pouca entrega, pouca atenção já que tudo isto são detalhes. Gosto dos detalhes e isto encanta. Abre a mente. Seduz até.

Evoco a imagem do gostar com a força do querer com o tempo. O tempo: ou nos faz querer, ou nos faz desquerer das pessoas quando buscamos a troca de intimidades. E lembro que é o mesmo  tempo que enjoa, desgasta, desconstroi. O desapego será, portanto, uma questão de tempo.

E agora entro em minhas reflexões porque vivo exclusivamente no presente em minha vida pessoal. Devemos estar com as pessoas - a partir de uma certa idade - sem deixar de sermos a nossa história ou o que já somos.

Não me sobra nada para o futuro senão para o que de fato tem importância para mim: meus filhos, para ser direto e claro! As demais coisas vivem em meu presente constante. Quem quiser fazer parte dele, assim o fará, de meu presente eterno. E olha que ainda escrevo para deixar mais presente o meu presente!

Não adianta. Meu coração fragiliza com o sofrimento alheio e a carência. O que é carência? Oras! É um passado que persiste; ou um futuro que nunca chega. A carência que se sente no presente é para outros tempos. Não sou carente. Não tenho este tempo. Minha vida me guia para onde devo ir. Todos iremos a algum lugar.

A vida. Bom misturar tudo. Deixar solto faz parte. Amar é bom. Ser amado por quem se ama, então, supera até o presente: já imaginamos futuro com o amor, o que é válido.

Post diferente este. Muito pessoal. Mas me ajudará. Quem não precisa de ajuda nos seus limites? Quem não tem limites?

domingo, 11 de janeiro de 2015

Evitar Deixar Sofrer

A arte de não deixar o seu próximo sofrer. Poucos sabem da arte de não deixar o outro sofrer.

Apenas quem um dia na vida superou a dor da falta de sentindo de sua própria existência compreende que viver feliz envolve o não sofrimento daqueles que você ama, amou, ou ao menos estão próximos a você.

Não generalizo. Eu confirmo: ser feliz é evitar o sofrimento de quem você ama, amou ou convive.

Excetuando o sadismo, que é o prazer no sofrimento externo, e portanto um distúrbio neurológico, fazer sofrer é vingar-se. Alivia por pouco tempo. Sim. Alivia o coração magoado, cheio de rancor. Ver sofrer quem o fez ou faz sofrer é aquele pecado chamado vingança. A vingança não é uma dor alheia e uma delícia interna: ela é a morte de ambos. Ninguém se vinga sem consequências negativas para si mesmo.

Me lembro que com 18 anos eu deixei uma jovem de nome Laura sofrendo em um ponto de ônibus, em São Miguel Pta, na frente de uma loja das Casas Bahia. Era noite. Em minha vida até então foi a segunda menina que havia se apaixonado por mim. A primeira foi a Patrícia.

Fazemos as pessoas sofrerem quando somos inocentes porque não temos meios de evitar. Fiz a Laura sofrer. Terminei o relacionamento com quem me amava. Não a deixei sofrendo, mas saí da vida da pessoa e isto causou dor. Quem aos 18 anos entende para que serve sentimentos amorosos? Me despedi dela. Entrei no ônibus. Dei uma última olhada para ela. E fui.

Não tive arte alguma. Foi o que a imaturidade dos meus anos me proporcionava. Até hoje trago esta memória viva porque no meu íntimo não é correto livrar-se de um sofrimento desta forma que não lhe pertence, sendo você a causa.

Os anos nos evelhecem, nos tornam encantadores, cativantes e mais sensíveis. Claro. Para quem aproveita de verdade a verdade dos anos, apenas sabedoria e encanto se tiram deles. Há quem faz da experiência da vida alguns quilômetros de seu quintal e não vêem o mundo além disto. Nossos sentimentos são nossos mundos em potencial. Pequeno mundo, sentimentos limitados. Todo envelhecimento deveria encantar e cativar. Envelhecer é expendir-se.

Queria que a Laura lesse este pequeno texto. Já procurei várias vezes pelas redes sociais seu perfil, mas não me recordo seu nome completo. Em todo caso, eu registro agora que não tinha ainda a arte de não permitir o sofrimento sem necessidade. Hoje não permito eu fazer sofrer.

Sei que o perdão vem da inocência e boa intenção. Minha intenção não valia nada aos 18 e minha inocência era enorme. O perdão da Laura pode existir, senão até hoje ela deve ter mágoa de meus 18 anos, ou melhor, rancor que é a eterna mágoa o que perduraria até hoje, nos meus 41 anos.

sábado, 10 de janeiro de 2015

Felicidade. Amor. Fraqueza. Entrega.

Eu creio. Crer confirma o impossível. Antes de ser possível, devemos crer no impossível. Afirmarei que não há sentido mais forte do impossível, senão ao crer.

Vamos pensar no que buscamos em nossas vidas: ser felizes... Eu não inovo na busca da Felicidade. Aristóteles, em sua A Política, disse que a finalidade do ser humano é a busca da Felicidade. Queremos ser felizes. A partir daí o que acontece vai se encontrando, vai se tocando, vai enrolando-se, combinando-se, ajudando-se na forma e no conteúdo.

Acreditar, portanto, em ser feliz é deixar as adversidades ajudarem neste propósito. Não o acaso, que é a falta de crença. Não suporto o acaso porque não creio em coincidências.

Sou feliz. Sofro como todos porque a dor no ser humano é interna. Não arranquemos de nossas almas as dores, que causam sofrimento. Nunca devemos rasgar nossas almas. E as dores são incerteza, dúvida, limite, solidão, carência, ausência, amor... Amor? Amor não poderia confundir-se com dor. Quando o amor doi, ele não é amor, mas sim incerteza, dúvida, solidão, carência, ausência, limite... Amor. Quer amar muito? Sinta-se fraco e entrega-se.

Sentir-se fraco é uma virtude. Não sabia? Como crescemos quando nos construímos em nossas fraquezas e vivemos mais felizes! Interessante a fraqueza. Por que poucos usam a sua fraqueza como apoio? Quem usa a sua fraqueza como apoio? E num salto inesperado, ligamos nossa felicidade com nossas fraquezas. Ser fraco, paradoxal que seja, é ser feliz.

Quando admitimos o que existe de excesso em nós (fraqueza) ou o que existe de carência (fraqueza) damos ao outro a oportunidade de nos amar onde precisamos. Compreende? Parece até uma lei universal que governa nossos limites. Lembra-me a Bíblia: sou forte quando sou fraco. Eu sou fraco, por isto aprendi um pouco a essência de amar...

Felicidade. Amor. Fraqueza. Entrega. Quanta virtude nisto tudo!

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Falar de amor e de tudo...

Me sugeriram num comentário se eu escrevo o que não sinto e por isto fica mais fácil, e há quem creia que escrevemos melhor quando sentimos seja sobre amor, dor, solidão, ausência, carência, felicidade, ilusão...

O comentário:

Professor, por que sabemos falar de amor quando não o estamos vivendo? Isso é  uma característica  dos escritores  e poetas. Já  havia notado isso outrora.

Minha consideração:

"Eu já superei os limites emocionais que os sentimentos nos colocam... Escrevo não o que sinto e nem o que não sinto. É muita intuição. Intuir é sair de seu corpo. Entrar num universo mais amplo de emoções e possibilidades. O que sinto, eu gosto de transmitir pessoalmente, o que só é possível presente... sem intuição! Ah, talvez por isto pessoalmente faço rir com uma boa impressão e com facilidade... Diferentemente de meus escritos... Pessoalmente amo. Encantar é surpreender positivamente. Decepcionar é surpreender negativamente. Encantar. Pessoalmente o amor vem do encanto."

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Amar...

Amar é algo bom... Gosto muito do amor. Ele aproxima. A vida conecta sentimentos. Nos libertamos do mundo exterior. Por isto que se for amar, não pense em sua carência. Ela vai sufocar. E não será feliz. Seja íntimo de fazer intimidades do tipo cólica ou mesmo um imprevisto pum. Tenho vergonha. Tenho vergonha de minha intimidade. E a paixão cresce ao perdoar nossas vergonhas. Sentimos algumas. E amamos mais no perdão... Não ao perdoarmos, mas ao ser perdoados; seremos tratados como humanos, seremos queridos pela consciência de que a vida não se congela em um selfie esteticamente vislumbrante... A pausa dos segundos que antecedem a foto é uma perspectiva do que seremos e queremos ser. Se formos bem, nossa imagem nos agradará e amaremos ser vistos. Mas apenas uma imagem. Gosto de amar por isto. Não se ama algo parado, congelado, estático, sem vida.... No fundo precisamos de vida. Precisamos que nos façam sentir intensa e amorosamente vivos. A fraqueza da vontade da entrega gera o verdadeiro amor. Já amei a carne, já amei a beleza, já amei a essência. Hoje amo a entrega. Não aquela total. A entrega da intimidade do que nos faz feliz. Sou contra a carência. Ela destroi. Sou pró o amor: ele edifica. Sou crente no sacrifício: somente ele justifica o amor. De resto, é ser sincero com o que de verdade precisamos. Eu preciso de meus filhos porque os amo. Sinto que me sacrificarei por eles sempre. Ah, e eles sabem disto. Mas amar não anula o sacrifício. Ele o completa. Fora isto, é um pouco amor adolescente. Não querer se sentir sozinho na festa. O amor maduro sabe muito bem o que significa "antes completamente sozinho do que uma companhia que o lembra se vale à pena tanto gasto de energia por uma companhia." Sim. Amar faz bem. Amar quem sabe o sentido real do amor vale à pena? Somente os fortes entenderão. Não é fácil. Creio sim que não é para quem apenas pensa no amor como o eu-feliz. Amar o outro-feliz. O outro muito feliz. Reciprocamente.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

História de Amor (Possível)

Na praia dos Milionários em São Vicente, a água do mar batia na areia, ou melhor, deslizava na beirada suavemente. Um par de olhos, perdido dentro de si, estava quieto, observando o sol que, do outro lado do mar, entre a Ponte Pênsil, descia vagarosamente. Um papel de sorvete se distraia com o balançar das águas impulsionado pelas fracas ondas. Pés fixados na areia. Perto, uma bola de voleibol caia de um lado ao outro, aos gritos, uivos, suor, risos e sensualidade. Sexta-feira. Sexta-feira vaga. Muito calor, paz e solidão na alma de Rafael.

Ele veio de sua casa, a poucos metros da praia. Morava com a mãe aposentada. Caminhou pensativo até o mar. Trazia entre as mãos um punhado de papel. Na verdade, um rascunho, cuidadosamente manuscrito. Cerca de duzentas páginas. Frente e verso. Buscava o título. O pôr-do-sol o inspirava. Trazia o mundo para seu interior. Perdia-se num prazer somente seu. Queria encontrar o que procurava.

Arriscava. “O que pode ser?” Nada. Tirava da areia um dos pés afundados. Mexia de um lado a outro, quando a água vinha. Limpava-o. Água sensitiva e leve. Levantava a cabeça. Mirava os olhos para o finito. Respirava toda calmaria do ambiente. Estava só. “O sol também”, refletiu. E a lua mais tarde. Era uma pessoa contemplativa e paradoxalmente feliz.

- Mãe, quer ir ver o pôr-do-sol?

- Não, meu filho.

Voltaria para casa, pensando em reler seu livro. Descobrir o título. Rafael tinha um jeito particular de solucionar seus problemas. Esperava. Não apenas porque era a única solução e a melhor delas. Mas porque seu trabalho intelectual exigia paciência. Esperava. Esperava e pensava. Olhou para o mar e agradeceu sua solidão encantadora.

- Cuidado!

Voz feminina. Foi o tempo de receber uma bolada no nariz. Tombou lentamente no chão de areia.

- Me desculpe.

Rafael levantou os olhos. Desnorteado pela força da bola, pela areia que entrou nos seus olhos, pelo zumbido horrível.

- Não foi nada - disse.

E se ergueu mais preocupado com os papéis que se espalharam pela areia. Nenhum ficou molhado. A jovem recolheu outros tantos que estavam mais longe.

- Está bem? - perguntou menos preocupada.

- Sim, claro!

Enxergou Larissa diante de si. Assustou-se. A beleza no início assusta. A perfeição espanta e amedronta. O que viu o desnorteou mais do que a bola na cabeça. Nem reparou no sangue que lhe escorria do nariz.

- Começou a sangrar!

Ela retirou sua camiseta branca onde escondia seu biquíni azul escuro. Os seios nem pequenos nem grandes.

- Não, não precisa. - disse Rafael, levando as mãos ao nariz, erguendo-o.

Ela fez que não ouviu e insistiu. Era pró-ativa. Não se vencia pelo machismo enraizado na cultura brasileira.

A partida de voleibol recomeçou há muito sem Larissa. Ela, cansada, deu-se descanso por minutos. Rafael, desconsertado. Ele não era tímido. Reservado porque seu mundo era interno e não das aparências. Não conseguia olhar para ela por mais de dois segundos. Desviava os olhos. Muita beleza fere a alma. Escrevia para a alma. Consciência. Mundo dentro das pessoas. Os originais. Reparou nos originais do seu livro. Alguns em suas mãos. Alguns nas mãos de Larissa.

- Olha a bola! - e outra com mais força atinge a nuca de Rafael.

Após outro susto, entreolharam-se, riram de modo bem expontâneo.

- Melhor a gente sair daqui, sugeriu a menina

- É, respondeu.

Com a camisa de Larissa no nariz, cabeça erguida, preocupado com os originais do livro e ainda queria assistir o pôr-do-sol! Seu livro, nas mãos dela, firme. Agradeceu por ela ter pego antes da água do mar. Não havia cópia. Larissa retribuiu "de nada". Que sorriso! Que dentes brancos!

- Magina.

Corrigiu mentalmente. "Imagina." Sabia ser mala mentalmente.

Ela se apresentou. Rafael estendeu a mão.

- Prazer.

Afastaram-se.

- Olha a bola, Larissa!

Larissa olhou; achou graça. Pegou a bola, que desta vez veio fraca, e devolveu-a para o jogo.

- Ela está te perseguindo.

- Talvez porque nunca fui amigo dela. Parou de sangrar.

Lentamente caminhou à beira do mar. Larissa o acompanhou. Tirou as mãos do nariz. Abaixou a cabeça. A água estava morna, boa para um mergulho. Molhou um pouco a nuca. Depois limpou o rosto. Devolveu a camiseta de Larissa. Agradeceu. Tirou a sua e foi na água. Pediu para ela segurar os originais.

- Que originais?

- Estes. De meu livro.

Não explicou mais nada. Jogou mais água na cabeça, cabelos molhados. “Como a água está quente.” Mergulhou. "Acho que estou nervoso", sussurrou.

De longe, ela gritava:

-Você está melhor agora?

- Estou, retribuía aos berros. Obrigado.

Poucas pessoas no mar. Ele puxava muitas braçadas. Nadou. Nadou. Nadava todos os dias.

Larissa achou-o gracioso. Apenas. Rafael, de longe, reconstruiu em suas palavras de escritor Larissa. Cabelo longo, liso e escuro. Um pouco embaraçado, castigado, pesado por causa do vento do litoral que não o deixava quieto em cachos grossos. Sua pele branca e macia, bem cuidada. Angelical. Os olhos largos e redondos, combinando com a boca média e lábios sedutoramente macios. Se Rafael pensou na maciez dos lábios dela, pensou em seus lábios tocando nos dela. Nariz levemente redondo e pequeno. Todo seu semblante uma harmonia, dentro de um gracioso corpo de quase 1,80m com 59 quilos saudáveis e bem nutridos e bem distribuídos. Rafael, no mar ainda, descobria-a aos poucos e produzia a imaginação com o olhar viril. Larissa, na areia, sentiu o homem aflorar nos jeitos de Rafael e silenciou, consentindo amigavelmente.

Ela abriu o livro.  As folhas. Lia algumas linhas. Não conseguia. Não conseguia manter a atenção na leitura. Se perdia. Teve um pouco de vergonha.

- O que você faz? - perguntou Larissa quando sentaram numa pedra próximo.

-Sou escritor.

- Que legal!

-É.

-O que escreve?

- Gosto de escrever histórias. Não tenho nada publicado. Não sou famoso, nem nada disso. Eu falo para mim mesmo que sou escritor porque amo escrever. Moro com minha mãe.

- Esses papéis em minhas mãos são um livro?

- Um livro de contos. Histórias curtas sobre a vida, sobre o que a gente faz no dia-a-dia. Frustrações, desilusões, limites, angústias, mas sempre com um sinal de esperança. Eu estava aqui na areia da praia buscando um título para este livro.

- Estava? Já encontrou um?

- Não! Não! Ainda não.

- E como você cria as histórias?

- Não sei dizer. Quando escrevo, eu me esqueço de quem sou e por isto não sinto que sou eu mesmo quem as cria. Escrevo sobre aquilo que está fora de mim como realidade e dentro de mim como imaginação.

- Escrever é realidade e imaginação? - interrompeu a jovem.

- Pode ser que sim , ele concordou, mas eu penso muito nas pessoas, nos sofrimentos, nas angústias, nas incertezas e escrevo o que as pessoas não se dão conta ainda porque alienadas.

Larissa ouvia atentamente.

- Escrever é estar lá, solitário, criando, compondo, desenhando no papel palavras para leitores. As palavras surgem de um espanto, um pasmo, um momento espiritual difícil de descrever porque é somente a consciência que existe solitariamente. É até interessante porque os amigos que lêem meus textos me falam ‘Mas isso não aconteceu com você?’ Eles perguntam como fosse necessário a gente viver as coisas para poder falar delas. Escrevo o que não vivi e parece que sou eu.

Larissa teve gosto de como Rafael articulava as palavras. Ela não era acostumada a conversas. Embora falasse três idiomas e tivesse conhecido o mundo em viagens, por ser modelo desde os 14 anos, naquele momento, nos seus 25, nunca gastou seu tempo com a boca de um escritor. Seu mundo era das imagens. Da imagem dada e sedutora, imagem do desejo inalcançável da maioria que vê e nunca terá e será. Larissa já havia tido a oportunidade de conversar com escritores badalados. Aqueles que são tão imagens quanto ela. Apenas naquelas formalidades das imagens do mundo Fashion. O inusitado de Rafael parecia o diferente da simplicidade. Areia, mar, sol, vida, natureza, arte. Sentia sinceridade, verdadeira beleza, suavidade na alma. Ela nunca teve amores nos olhos do mundo da literatura, dos livros, dos escritores.

- Modelo internacional? - perguntou Rafael assustado.

- Isto mesmo, confirmou Larissa, mordendo o lado esquerdo dos lábios que fez Rafael quase se apaixonar.

Confessou a ele que lia o que lhe convinha. Lia pouco. Quase nada. Gostava de estar livre quando tinha um tempo para si. Ainda que houvesse um chato de um paparazzo ao seu pé.

- Aqui já vi uns sete me fotografando.

Nem ligava. Não era famosíssima de estar nas revistas semanais, ou na boca dos programas de fofocas. Não. Apenas bem requisitada na profissão o que lhe rendia boa fortuna. A idade já a envelhecia para a moda. Tudo o que tinha que viver nele, já havia vivido. Nos anos seguintes queria intensamente a vida, sem incorporada, como corpo, no mundo da badalação, Fashion World, produto que era e que tinha se transformado. Imagens infinitas. As palavras não eram imagens.

- Eu sou uma imagem, Rafael; você é imaginação. Aliás, eu moro em Santa Catarina desde os 20 anos. Mas sou daqui também, de São Vicente.

Ele manteve silêncio. O sol finalmente caindo. O lindo pôr-do-sol bem no meio da Ponte Pênsil. Dois morros ao lado. O mar como chão e espelho. Larissa hipnotizou-se com ele e ficaram os minutos seguintes sentindo a cena, alí, ao lado de quem valorizava a beleza do olhar na natureza. Beleza da sensibilidade e não da sedução. Ela seduzia com sua imagem. A natureza com a sensação de fazer parte. Nunca imaginou que se sentiria constrangida com esta reflexão.

Depois, o chamou para tomar um suco. Nem se lembrava mais do vôlei. Ele nem do livro nas mãos dela. Foram. Juntos conversaram sobre tudo. Larissa do universo da aparência que conhecia; Rafael do mundo verossímil que criava. Trocaram muitos sentimentos pelo olhar. E o tempo precioso para o deleite dela e para a inspiração dele. Lá fora tudo esquecido. Dentro deles tudo criado.

- Vou para São Paulo amanhã. Tenho passarela em Milão neste fim de ano. Viajo daqui três dias.

Rafael nada respondeu. Concordou com a cabeça. Queria prolongar a conversa. Sentiu, porém, que tinha falado tudo quanto podia para um sujeito tímido como era. Tímido não. Reservado. Ele, então, disse que precisava ir. Inventou uma desculpa qualquer. Despediram.

A noite entrou quente e continuava quente como nunca antes. A vida continuaria.

Rafael, distraído, beijo-a no rosto, disse que estava sem dinheiro para pagar a conta dos sucos, pediu desculpa e foi embora. Larissa manteve-se normal como era. Terminou de beber. Olhou as horas no celular. Reparou nos originais do livro de Rafael em mãos.

- Nossa, disse para si mesma, ele esqueceu.

Iria atrás dele. Não foi. Foi para casa. Com os originais.

Viu o nome Rafael Gaiado. Deixou em cima da sua cama. Foi ao banheiro. Depois do banho, deitou um pouco. Iria para Santos. Um evento simples, altruísta. Parte do contrato. Levantou-se da cama, arrumou-se maravilhosamente linda e manteve-se normal como sempre em sua vida. Deixou o rascunho do livro de Rafael espalhado na grande cama. Foi pega pela empresária, sempre à sua cola.

Larissa, ela nunca havia amado ninguém. Não. Nunca soube da verdadeira natureza do amor. Não sabia. Saiu naquele dia à noite um pouco reflexiva. Sem saber, ela diminuía para si mesma sua individualidade e independência. Rafael crescia dentro dela. Exatamente. Não existe outro sintoma para o amor senão a diminuição de nós mesmos. No princípio, ela não teve a mínima ideia. Quem a tem? Quem tem a ideia original de nossos amores?

A publicação do livro de Rafael, "Ao Amor da Vida", que ela mesmo iria financiar, publicar e divulgar, sem a autorização de Rafael, era somente paixão. Fraquejava ao pensar. O livro, por sua vez, era muito bom. Muito bom de verdade. Sucesso nas primeiras semanas. Ela em Milão. Rafael em São Vicente, angustiado por ter perdido seu livro, isolado e desolado no seu quarto: no fundo, também, apaixonado. Em uma semana, "Ao Amor da Vida" ganhou enorme repercusão na mídia, nas livrarias, aos olhos dos leitores. Não apenas porque Larissa teve a cara de pau de, surpreendentemente, desfilar em Milão com um exemplar do livro em suas mãos, mostrando a todos os flashes, mas pela crítica honesta dos leitores distantes e anônimos do mundo das imagens da moda. Rafael foi o último a saber de sua fama. Tomou um susto quando a irmã mais nova falou:

- Rafael, seu nome está na televisão.

Era ela. Larissa. Falando, sem ter ainda lido praticamente uma única das histórias.

Em janeiro, na volta para o Brasil, depois de conversarem muito por telefone, Larissa e Rafael finalmente se reencontraram. Ele agora como escritor conhecido. Ela como mulher apaixonada. Abraçaram-se. Beijaram-se. Fizeram amor no hotel. Para ela foi como sentir a felicidade pela primeira vez na vida, a felicidade de um homem em sua vida; para ele foi o amor platônico realizado. Sem livro, sem modelo, sem reconhecimento. Obrigado por ela voltar. Ele não falaria em voz alta. Ao invés de agradecer, ele beijava seus lábios.

- Larissa - perguntou na mesa de jantar neste mesmo dia em que se reencontraram pela primeira vez - sobre o título "Ao Amor da Vida"?

Ela sorriu.

- Feio, né, para um livro.

Ele beijou seus lábios. Nada disse. Sorriu também.

- Eu iria colocar "Ao Amor da Minha Vida", mas senti enorme insegurança. Me senti fraca e totalmente desprotegida.

Ele beijou seus lábios novamente.

- Meu próximo livro, Larissa, o nome será "Ao Amor da Minha Vida".

A emoção. Não segurou a emoção. Deslizaram algumas lágrimas. Rafael não reparou. Foi ela, Larissa, quem beijou seus lábios. Uma, duas, mil vezes. Como por instinto, sussurrou no ouvido dele:

- Obrigada. - e arrematou. Casa comigo?

Terminaram o jantar. Foram para o hotel na região da Paulista, onde se hospedaram, para marcar para sempre as suas vidas. Em beijos que traduziam infinitos agradecimentos. Se casaram em duas semanas e vivem felizes se completando todos os dias...

domingo, 4 de janeiro de 2015

Seu Jeito

Não adianta muito. Há pessoas que criticarão porque não entenderão seu jeito. E isto não é tão pessoal. Eu gosto do meu. Meu jeito tem muita importância sobretudo nos momentos em que o ser humano mais se fragiliza. Coloco o coração e eu vou lá e faço o que for possível. Sustentar um coração frágil para o mundo exige bastante sensibilidade.

Hoje na praia, entre o vento na cara, o clima fechado, o bate papo com meu irmão, caipirinhas e cervejas, o comum foi uma jovem senhora, bonita, esbelta, brozeado lindo, fazendo forças para levar uma senhora idosa, debilitada, passos lentos, mais umas cinco cadeiras. E havia pressa. Começara a garoar.

Eu estava a uns 20 metros. De imediato vi, percebi. Fui ajudar. O bom é que ela não sentiu nada diferente senão o ser humano pronto a fazer uma ação possível cujo esforço implicaria em absolutamente nada em troca. E relembro. Não adianta muito porque o conhecedor de nossas intenções é o nosso coração.

Meu irmão na volta:

- E aí, está melhor com a boa ação?

Nem respondi a ele e nem me imaginei em uma ação boa pelo óbvio que me pareceu uma cena desta diante de meus olhos. Que o mundo julgue! Mas que o coração acolha e nutra suas boas memórias.

Basta até mesmo sentir a necessidade de amor, apoio, afeto, cuidado, proteção, ajuda, e sendo possível, não consigo ver o porquê não... Não adianta muito mesmo assim. O mundo julga para evitar agir. O julgamento, portanto, é a ausência. Como assim? Julgar é ausentar-se do outro... Reflitamos! Para onde nos leva nosso julgamento? Da mesma forma: para onde nos leva nosso coração com amor?

Ir...

Uma das cenas mais comuns e simbólicas em filmes românticos bem antigos era aquela do casal de mãos dadas caminhando de costas em direção ao nada até o momento em que a imagem deles ficasse bem pequena como se entrasse em um túnel, e aí eu especulo: túnel do tempo invisível. Em seguida: FIM em letras garrafais.

Ir.

Este era o ir do cinema ainda em preto e branco e mudo. Ir juntos para o nada. Representava também o literal fim da história. Evidentemente, Final Feliz pelas mãos dadas...

Quando na nossa vida real nós mesmos vamos, ou quando testemunhamos ir, a cena de ir de costas é simbólica. Às vezes olhamos; às vezes somos olhados. Quando não olhamos, imaginamos. A imaginação pode ser de alívio ou de desespero. Raramente é de indiferença. Para quem vai, resta ou olhar para trás ou ir firme, com todas as vicissitudes sentimentais que o ir provoca em seu silêncio.

O drama da vida de hoje (drama em grego é ação) não possui espaço para o Final Feliz dos filmes em preto e branco. Não que não exista a felicidade. É que nossos dramas, nossas ações indo para o infinito de costas não tem o FIM porque não é o fim. Não deve ser ao menos. Temos consciência de que nossa caminhada persistirá. E neste ir a felicidade é tão possível quanto a desilusão compartilhada com a esperança. Tudo junto. Não somos mais ingênuos. Nossa ternura dura um olhar. Ainda que a dureza e a aspereza persista mais ou parece persistir mais tempo.

Gosto da foto abaixo pelo ir. Esta cena me trouxe à cabeça alguns finais dos filmes de Charles Chaplin. Ir. De costas. O fim feliz. Como disse, em nossa vida atual, nosso imaginário crê na ida. No entanto, em todas as idas. Nossa consciência tem certeza de que cada uma delas é apenas um dos nossos momentos.

O ir será um ir constante, portanto. Ir e ir e ir e ir... A volta? Encare como uma outra ida. Apenas poeticamente: o lirismo de todo ir...

sábado, 3 de janeiro de 2015

Ler...

Ler implica tanta coisa. Primeiro de tudo: isolamento. Há um mundo de pessoas à sua volta, seu mundo, porém, está naquele momento sendo construído com outras sensações que são verdades apenas para você. Portanto, a primeira e fundamental sobre: ler é isolar-se.

Claro que me refiro a ler palavra, palavra escrita. Porque podemos ler olhares, ler pessoas, ler a mão, ler o fururo, ler gestos corporais porque abusamos da leitura que nossa mente cria; podemos ler intenções, ler o contrário, ler inclusive o inconsciente nos atos falhos, nos movimentos involuntários, nos recalques. Aliás, ler inconscientes é uma das minhas virtudes.

Voltando à palavra, já disse que em meus anos de universidade, eu lia 12 horas por dia. Sobretudo à noite. Resgatar este hábito me traz à mente um belo sentimento de fortes valores como o Belo, a Poesia, a Arte, a Filosofia, a Reflexão, a Essência. No dia de hoje, além de tudo o que um pai, filho, irmão, escritor, professor e agora blogueiro etc. deve fazer no seu dia-a-dia, sobraram-me minhas cinco horas de leitura.

E falando em ler, um capítulo fascinante de "Eros e Pathos" que acabei de terminar sobre o Poder foi sublime. Havia partes realmente gratificantes. Às até vezes compartilho...

Elogio da Loucura

Este livro da foto, eu o comprei em 1998. Sua primeira edição é de 1508. São 490 anos.

E em 2015, retomo sua leitura para me deliciar com o jeito cômico, engraçado, ridículo, crítico de como Erasmo escreve tão seriamente sobre a Loucura.

Hoje falar sobre loucura cansa um pouco. Causa tédio. A loucura de hoje foge dos padrões da do passado. No passado o louco poderia ser um possuído ou um louco poderia ser a fonte de risos. Hoje o louco é realmente louco.

A sociedade mudou. E mudou exatamente tudo. E a maior mudança é o divertir-se. Divertir-se exige para a maioria ocupar o tempo envolvido, cercado, envolto... Não de mato, não de mar, não de rios, lagos, não de vento na cara, não de morro ou deserto, não de ausência de tudo, restando somente seu eu... Mas cercado de lojas, restaurantes, pessoas, carros, distrações fora de nós, onde não mais nos reconhecemos, não sabemos como somos, e a pergunta "quem eu sou?" machucará profundamente diante de uma futura e inevitável ausência de tudo.

Este livro da foto é curtinho. Engraçado. Dá vontade de reler assim que você o termina. Ele é cheio de personagena de mitologias.

Há dias em que se coloca um copo de whisky na mão, um charuto cubano na outra, bebe-se e fuma o ar amargo para a liberdade de estar em paz. O bom mesmo, no entanto, é poder fazer tudo isto ao mesmo tempo: beber, charutar, ler, escrever, cercado de mar, ar, pessoas, lojas, vida e viver sua alma tudo isto, em seu coração porque ele tem o elemento mãe maior do que o Homem.

A loucura cabe aos homens; o amor às mães. Me sinto mãe por isto.

Afinal também, no fundo, não existe mais loucura. Senão pessoas com sérios problemas neurológicos ou psicológicos, o que já é uma outra história...